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domingo, 27 de junho de 2021

 

A cor da razão: a política de cotas no Brasil entre experiências sociais e racionalidades em disputa

A alteridade como a chave para a inclusão na prática

Em uma perspectiva histórica, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão em 1888, e, destarte a importância do evento histórico, uma análise mais detalhada revela que foi muito mais o culminar de um processo de desgaste do que o fruto de um espírito humanitário (visão esta que ainda perdura nas entrelinhas de muitas apostilas de História). Depois disso, desprovidos de qualquer assistência, os negros foram obrigatoriamente constituindo a periferia das esferas social, econômica e cultural. Não eram objetos como antes, mas definitivamente também não eram, de acordo com a mentalidade vigente, humanos, pois aos olhos da sociedade branca, patriarcal e tradicionalista, sua subjetividade inexistia, a sua identidade era reduzida a estereótipos relacionados à cor da pele.

Com efeito, tal visão preconceituosa ainda perdura atualmente, e isso é evidente não só na limitada inserção socioeconômica da população negra, mas principalmente na verdadeira luta que é ser negro e se manter vivo em um Brasil onde quase todos os dias morrem pessoas negras vítimas de balas supostamente perdidas. Essa realidade é mantida por meio de uma lógica perversa que pode ser exemplificada: quando a morte de um menino branco comove mais do que um massacre em uma comunidade preta e periférica em Jacarezinho (a minimização da humanidade do negro e a banalização de sua morte como resultado de postura acrítica, como formulado por Hannah Arendt) ou quando a classe média branca corre para o Instagram para postar #blacklivesmatter e se mostrar inteirada nos assuntos norte-americanos, mas permanece inerte nos casos de violência policial em comunidades pretas brasileiras (a autopercepção brasileira como uma ilha branca na América Latina, mais conectada com os EUA do que com os próprios países vizinhos, como postulado em Epistemologias do Sul, por Boaventura de Sousa Santos).

É nessa realidade nada pacífica que surge em 2012 a Lei de Cotas, como uma tentativa de minimizar as disparidades entre a população branca e os pretos, pardos e índios no acesso às Universidades. Essa medida aponta para uma democratização do ensino, mas tem uma falha de adequação, já que a política de cotas costuma ser aplicada com maior eficácia em países como os EUA, onde negros são minorias quantitativas, o que não se aplica ao Brasil. Apesar disso, constitui um importante caminho para a valorização das potencialidades culturais e intelectuais de negros no processo de produção do conhecimento e visa a contornar um prejuízo histórico significativo.

Mediante o exposto, tem-se que a sociedade brasileira como um todo deve se unir para combater qualquer supressão no universo da política de cotas em 2022, visando à concretização de um Brasil mais plural e inclusivo. Somente com a participação de vários grupos – a atuação dos brancos como antirracistas também é fundamental – será possível atingir uma república isonômica, como vislumbrada por Zumbi em Palmares. Os desafios são muitos: vários indivíduos representam a personificação dos Ídolos da Caverna de Bacon e preferem viver em bolhas somente com suas leituras e experiências individuais, outros parecem deturpar o pensamento cartesiano “conhecer é mais perfeito do que duvidar” e assumem uma postura arrogante de presunção do conhecimento da realidade de todos. Em ambos os casos o resultado é o mesmo: a atrofia da alteridade. Contudo, mesmo nesse cenário desanimador, é sempre necessário lembrar que mentalidades são passíveis de alteração e que, na perspectiva da inclusão racial, esse desafio é primordial e fundamenta a mobilização popular e a criação de políticas públicas efetivas.

Isabela Mansi Damiski Teixeira de Castro - 1º semestre - Diurno

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