A cor da razão: a política de cotas no Brasil entre
experiências sociais e racionalidades em disputa
A alteridade como a chave para a inclusão na prática
Em uma perspectiva histórica, o Brasil foi o último país das
Américas a abolir a escravidão em 1888, e, destarte a importância do evento
histórico, uma análise mais detalhada revela que foi muito mais o culminar de
um processo de desgaste do que o fruto de um espírito humanitário (visão esta
que ainda perdura nas entrelinhas de muitas apostilas de História). Depois
disso, desprovidos de qualquer assistência, os negros foram obrigatoriamente
constituindo a periferia das esferas social, econômica e cultural. Não eram
objetos como antes, mas definitivamente também não eram, de acordo com a
mentalidade vigente, humanos, pois aos olhos da sociedade branca, patriarcal e
tradicionalista, sua subjetividade inexistia, a sua identidade era reduzida a
estereótipos relacionados à cor da pele.
Com efeito, tal visão preconceituosa ainda perdura atualmente,
e isso é evidente não só na limitada inserção socioeconômica da população
negra, mas principalmente na verdadeira luta que é ser negro e se manter vivo
em um Brasil onde quase todos os dias morrem pessoas negras vítimas de balas
supostamente perdidas. Essa realidade é mantida por meio de uma lógica perversa
que pode ser exemplificada: quando a morte de um menino branco comove mais do
que um massacre em uma comunidade preta e periférica em Jacarezinho (a
minimização da humanidade do negro e a banalização de sua morte como resultado
de postura acrítica, como formulado por Hannah Arendt) ou quando a classe média
branca corre para o Instagram para postar #blacklivesmatter e se mostrar
inteirada nos assuntos norte-americanos, mas permanece inerte nos casos de
violência policial em comunidades pretas brasileiras (a autopercepção
brasileira como uma ilha branca na América Latina, mais conectada com os EUA do
que com os próprios países vizinhos, como postulado em Epistemologias do Sul,
por Boaventura de Sousa Santos).
É nessa realidade nada pacífica que surge em 2012 a Lei de
Cotas, como uma tentativa de minimizar as disparidades entre a população branca
e os pretos, pardos e índios no acesso às Universidades. Essa medida aponta
para uma democratização do ensino, mas tem uma falha de adequação, já que a
política de cotas costuma ser aplicada com maior eficácia em países como os
EUA, onde negros são minorias quantitativas, o que não se aplica ao Brasil.
Apesar disso, constitui um importante caminho para a valorização das
potencialidades culturais e intelectuais de negros no processo de produção do
conhecimento e visa a contornar um prejuízo histórico significativo.
Mediante o exposto, tem-se que a sociedade brasileira como
um todo deve se unir para combater qualquer supressão no universo da política
de cotas em 2022, visando à concretização de um Brasil mais plural e inclusivo.
Somente com a participação de vários grupos – a atuação dos brancos como
antirracistas também é fundamental – será possível atingir uma república isonômica,
como vislumbrada por Zumbi em Palmares. Os desafios são muitos: vários
indivíduos representam a personificação dos Ídolos da Caverna de Bacon e
preferem viver em bolhas somente com suas leituras e experiências individuais,
outros parecem deturpar o pensamento cartesiano “conhecer é mais perfeito do
que duvidar” e assumem uma postura arrogante de presunção do conhecimento da
realidade de todos. Em ambos os casos o resultado é o mesmo: a atrofia da alteridade.
Contudo, mesmo nesse cenário desanimador, é sempre necessário lembrar que
mentalidades são passíveis de alteração e que, na perspectiva da inclusão
racial, esse desafio é primordial e fundamenta a mobilização popular e a
criação de políticas públicas efetivas.
Isabela Mansi Damiski Teixeira de Castro - 1º semestre - Diurno
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