Desde sua composição em sociedades organizadas, o
Homem debate como estabelecer suas normas ou preceitos. É bem verdade que o
debate não ocorria – pelo menos não desde o seu princípio, na Antiguidade – da
forma como ocorre hoje, considerando leis escritas, mas já se caracterizava
enquanto Direito ou Constitucionalismo na medida em que tratava da forma de
organizar politicamente o seu Estado ou de limitar os poderes.
Assim, o Direito sempre esteve em pauta na sociedade
tal qual concebemos hoje. Dessa forma, passou também por diversos momentos
históricos, sendo diretamente influenciado por eles. O maior exemplo disso é
quando analisamos o Direito (mais uma vez) sob a égide Constitucional, já que
os maiores movimentos de mudança nas Constituições foram justamente aqueles que
resultaram ou de revoluções ou da mudança radical de sistemas de organização
política.
No Brasil, o Direito acompanhou a nossa trajetória de
desigualdade social. Colônia por mais de 3 séculos, permanecemos sendo
governados por diferentes formas de elite: ora famílias reais, ora oligarcas,
ora ditadores, ora desenvolvimentistas a serviço do capital internacional.
Nossas Constituições – elaboradas e nascidas da mesma elite -, claro,
acompanharam todo este processo, tendo seus maiores exemplos na instituição do
Poder Moderador ou nos mecanismos de decisão política da República Velha.
Desta análise pode se tirar a síntese perfeita do direito hegemônico apontada na obra de
Boaventura de Sousa Santos. Fruto da concepção de uma classe, que governava
majoritariamente o Estado a seu tempo, ele representa principalmente os
interesses da mesma, marginalizando todos os outros grupos sociais que
compunham a sociedade.
Lendo-se a Constituição Cidadã de 1988 pode-se ter uma
concepção diferente, explicada especialmente pelo fato de tal carta ter sido
escrita em um contexto de redemocratização após décadas de regime militar.
Entretanto, ela também é fruto da estratégia parlamentar e da “exclusão
concilitatória” que a mesma representa, o que fez com que seu uso mais uma vez
fosse hegemônico, se distanciando dos princípios sociais do texto.
Um exemplo clássico é o da questão das cotas raciais.
A mesma Constituição que pregava a universalização dos serviços públicos como
direito fundamental dos cidadãos passou décadas sem sequer incentivar qualquer
forma de ação afirmativa que corrigisse os séculos de abandono social dos
negros após a abolição da escravidão em 1988. Quando finalmente tais ações
foram aprovadas pelo STF, contribuindo para a universalização da educação
pública, um partido assumidamente liberal resolveu questioná-las utilizando uma
concepção de discriminação reversa da Constituição somente como uma forma de
manter os interesses da elite sob uma máscara de conciliação do Estado Liberal
com aqueles que são os “direitos sociais”, forma de estratégia que, segundo
Boaventura, contribuiu para a emergência de uma agenda conservadora.
Assim, o Direito permanece sendo palco da luta de
classes e do conflito de interesses em uma sociedade notoriamente desigual. Se
Boaventura de Sousa Santos aponta a falha da estratégia parlamentar de
conciliação de interesses contraditórios (o liberalismo e a implementação da
igualdade social), ainda não deveria o fazê-lo a respeito da estratégia
revolucionária. Se o Direito é reflexo da organização política em que se vive,
refletirá o capitalismo enquanto ele for vigente. Refletirá, então, a
desigualdade, a exclusão e, principalmente, a hegemonia elitista, perpetuada há
1500 anos no Brasil.
Luiz Antonio Martins Cambuhy Júnior
Direito Matutino - 1º Ano
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