O sistema de cotas no Brasil trata, principalmente, de reafirmação histórica. Três séculos de escravidão do povo africano e a ausência de estruturas e projetos qualificados de combate à desigualdade de condições após a Abolição tornaram o racismo, a intolerância e o desequilíbrio de oportunidades questões presentes e desencobridas. O ensino superior, por sua vez, se configura em um espaço privilegiado e extremamente elitizado, praticamente exclusivo às peles brancas e classes abastadas. Em meio a isso, as cotas para ingresso nas instituições universitárias representam um projeto de correção da injustiça e da desigualdade histórica entre as etnias no Brasil.
O Poder Judiciário julgou a legalidade do sistema de cotas enquanto ação afirmativa. O entendimento jurídico foi de que uma medida cujo intuito principal seria a correção de uma situação de marcante desigualdade social estaria em conformidade com o ordenamento jurídico. Trata-se de uma situação em que o Direito agiu no sentido de reparar contradição social.
O que vimos nas últimas semanas foi bem diferente. Assistimos ao Poder Judiciário e seus ilustres agentes realizarem um grande festival de arbitrariedades, ataques contra direitos e conquistas sociais e os princípios da dignidade humana. Um juiz da Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF) expediu ação autorizando o uso de técnicas de torturas contra os estudantes secundaristas que ocupavam uma escola em Taguatinga. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a legalidade do corte de ponte dos servidores públicos em greve. Uma ação policial invadiu a Escola Nacional Florestan Fernandes, vinculada ao MST.
Na ocasião da aprovação do sistema de cotas, o Direito agiu no sentido de combater a injustiça; nos casos recentes, de reafirmá-las. Boaventura de Sousa Santos, então, nos questiona: pode o Direito ser emancipador?
Boaventura chama atenção para a exclusão estrutural de alguns grupos sociais. Na pós-modernidade, a sociedade destinaria a marginalização à alguns grupos oprimidos. Negros, indígenas e imigrantes, dessa forma, estariam nessa posição. O Estado liberal desempenharia o papel de legitimar essa exclusão. Boaventura identifica ainda o ascenso de um movimento conservador que limitaria a atuação do Direito como instrumento da justiça social.
O pensador português acredita que o Direito pode cumprir um papel emancipador. A linha entre o simples mecanismo de controle social e a libertação humana, para Boaventura, seria tênue. A emancipação viria a partir da inclusão dos excluídos no contrato social.
Boaventura chama atenção para a exclusão estrutural de alguns grupos sociais. Na pós-modernidade, a sociedade destinaria a marginalização à alguns grupos oprimidos. Negros, indígenas e imigrantes, dessa forma, estariam nessa posição. O Estado liberal desempenharia o papel de legitimar essa exclusão. Boaventura identifica ainda o ascenso de um movimento conservador que limitaria a atuação do Direito como instrumento da justiça social.
O pensador português acredita que o Direito pode cumprir um papel emancipador. A linha entre o simples mecanismo de controle social e a libertação humana, para Boaventura, seria tênue. A emancipação viria a partir da inclusão dos excluídos no contrato social.
Permita que discorde um pouco do português. O Direto como está posto não é e nem pode ser universal. O Direito como está colocado tem um caráter de classe. Isto é, age em conformidade com os interesses de um determinado grupo social, mesmo que em detrimento dos direitos de outros. Os direitos, liberdades e interesses de alguns são mais importante que os de outros. Dessa maneira, não devemos esperar que o Direito assuma um papel de libertação. Este Direito que está aí tem um papel bem definido e não é o de emancipar quem quer que seja. Isso não exclui de maneira alguma o fato de que os movimentos sociais, quando organizados e fortalecidos, conseguem conquistar do Direito o reconhecimento de suas pautas, como no caso do reconhecimento da união estável entre casais homoafetivos e do entendimento sobre a legalidade do sistema de cotas étnico-raciais, e muito menos o valor dessas lutas.
A essência do Direito, por si só, não produz a emancipação - pelo contrário. Se o Direito vir a assumir posturas mais progressivas, não se deve minimamente à sua benesse, mas às manifestação dos grupos sociais, pressão sobre as instituições políticas e jurídicas e conquista de suas lutas. O Direito não tem por ponto primordial a busca pela Justiça, mas pode ser reivindicado pelos agentes sociais para tal.
São de extrema legitimidade as manifestações que exigem a universalização do Direito e a superação das contradições sociais a partir dos ordenamentos jurídicos. A efetivação da universalização da educação pública e a implementação do sistema de cotas são pautas de extrema importância e que devem ser disputados na esfera político-jurídica. As conquistas dos movimentos sociais nesse campo devem ser celebradas. Não deve-se, entretanto, perder de vista que, apesar do acolhimento de quantas quer que sejam as pautas sociais que o Direito venha a reconhecer, este mantém seu caráter classista. Não há Direito emancipador em um sistema estruturalmente baseado de opressão. A emancipação real virá somente da abolição dessa ordem.
São de extrema legitimidade as manifestações que exigem a universalização do Direito e a superação das contradições sociais a partir dos ordenamentos jurídicos. A efetivação da universalização da educação pública e a implementação do sistema de cotas são pautas de extrema importância e que devem ser disputados na esfera político-jurídica. As conquistas dos movimentos sociais nesse campo devem ser celebradas. Não deve-se, entretanto, perder de vista que, apesar do acolhimento de quantas quer que sejam as pautas sociais que o Direito venha a reconhecer, este mantém seu caráter classista. Não há Direito emancipador em um sistema estruturalmente baseado de opressão. A emancipação real virá somente da abolição dessa ordem.
Guilherme da Costa Aguiar Cortez - 2º semestre de Direito (matutino)
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