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terça-feira, 8 de novembro de 2016

Cotas raciais e emancipação social

            Em 2009, o partido Democratas ajuizou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o sistema de cotas raciais, especificamente no ingresso na Universidade de Brasília (UnB) que, desde 2004, destinava 20% de suas vagas a estudantes negros. O partido tinha como objetivo que se declarasse inconstitucionalidade para os atos provenientes do poder público que tiveram como resultado a instituição de cotas raciais na universidade. Além disso, pedia concessão da medida liminar pelo STF para suspender a matrícula dos alunos aprovados pelo sistema de cotas para negros na Unb, requerendo a divulgação de nova lista de aprovados com base nas notas dos candidatos exclusivamente.
            Esta ação coincide com a agenda conservadora mencionada por Boaventura de Sousa Santos, que busca meios cada vez mais sutis de desmantelar os mecanismos pelos quais o Direito se transformou em um instrumento de mudança social. Nas palavras do autor, “enfrentamos problemas modernos para os quais não existem soluções modernas”. A lógica por trás da ação, que pressupõe uma inércia do Estado diante da questão racial, pois caso contrário este feriria a igualdade dos cidadãos, em nada difere do abandono da população negra após a abolição da escravatura com a Lei Áurea, em 1888. Abandono este que, juntamente com toda a carga histórica gerada pela escravidão africana negra, é responsável por muitas das mazelas presentes ainda hoje na sociedade. Da mesma forma que o Estado não ofereceu condições de inserção dos ex-escravos na vida coletiva e no mercado de trabalho, a tentativa de barrar as cotas faz o mesmo, dadas as devidas proporções.
            O que se observa é uma tentativa que parte da sociedade civil íntima de manter o status de marginalização das sociedades civis estranha e incivil. Trata-se do pré-contratualismo, que “consiste em impedir o acesso à cidadania a grupos que anteriormente se consideravam candidatos à cidadania e tinha razoáveis expectativas de a ela aceder”.
            Destaca-se, ainda, o argumento de Sousa Santos de que a instabilidade social é condição da estabilidade econômica. Isto se faz muito presente no cotidiano brasileiro, e exemplo disso é a nomeação, por Michel Temer, de um membro dos Democratas (Mendonça Filho), partido autor da ação aqui tratada, como Ministro da Educação. Este fator, aliado às promessas de privatização de instituições estatais pelo atual governo, demonstra que a disseminação da cidadania para os grupos marginalizados, da qual fazem parte as cotas raciais, não é de interesse do Estado, frente o poder do capital.
            Sousa Santos, ao final de sua obra, conclui que o direito não pode ser nem emancipatório, nem não-emancipatório, pois estas características pertencem aos movimentos, as organizações e aos grupos subalternos cosmopolitas que utilizam a lei para alcançar seus objetivos e concretizar suas lutas. É aí que entram os movimentos e organizações contra hegemônicos, que lutam contra as sequelas econômicas, sociais e políticas da globalização hegemônica e defendem que os interesses do capital são responsáveis pela exclusão social e por negar dignidade humana e respeito a uma grande parte da população. Assim, as cotas raciais demonstram ser passos iniciais, mas muito importante, para a construção de um projeto plural que visa reivindicações e critérios de inclusão social que vão muito além dos horizontes do capitalismo global.

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