Em 2009, o partido Democratas ajuizou
uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o sistema de cotas raciais,
especificamente no ingresso na Universidade de Brasília (UnB) que, desde 2004,
destinava 20% de suas vagas a estudantes negros. O partido tinha como objetivo
que se declarasse inconstitucionalidade para os atos provenientes do poder
público que tiveram como resultado a instituição de cotas raciais na
universidade. Além disso, pedia concessão da medida liminar pelo STF para
suspender a matrícula dos alunos aprovados pelo sistema de cotas para negros na
Unb, requerendo a divulgação de nova lista de aprovados com base nas notas dos
candidatos exclusivamente.
Esta ação coincide com a agenda
conservadora mencionada por Boaventura de Sousa Santos, que busca meios cada
vez mais sutis de desmantelar os mecanismos pelos quais o Direito se
transformou em um instrumento de mudança social. Nas palavras do autor, “enfrentamos
problemas modernos para os quais não existem soluções modernas”. A lógica por trás
da ação, que pressupõe uma inércia do Estado diante da questão racial, pois caso
contrário este feriria a igualdade dos cidadãos, em nada difere do abandono da
população negra após a abolição da escravatura com a Lei Áurea, em 1888.
Abandono este que, juntamente com toda a carga histórica gerada pela escravidão
africana negra, é responsável por muitas das mazelas presentes ainda hoje na
sociedade. Da mesma forma que o Estado não ofereceu condições de inserção dos
ex-escravos na vida coletiva e no mercado de trabalho, a tentativa de barrar as
cotas faz o mesmo, dadas as devidas proporções.
O que se
observa é uma tentativa que parte da sociedade civil íntima de manter o status
de marginalização das sociedades civis estranha e incivil. Trata-se do
pré-contratualismo, que “consiste
em impedir o acesso à cidadania a grupos que anteriormente se consideravam
candidatos à cidadania e tinha razoáveis expectativas de a ela aceder”.
Destaca-se, ainda, o argumento de
Sousa Santos de que a instabilidade social é condição da estabilidade
econômica. Isto se faz muito presente no cotidiano brasileiro, e exemplo disso
é a nomeação, por Michel Temer, de um membro dos Democratas (Mendonça Filho),
partido autor da ação aqui tratada, como Ministro da Educação. Este fator,
aliado às promessas de privatização de instituições estatais pelo atual
governo, demonstra que a disseminação da cidadania para os grupos
marginalizados, da qual fazem parte as cotas raciais, não é de interesse do
Estado, frente o poder do capital.
Sousa Santos, ao final de sua obra,
conclui que o direito não pode ser nem emancipatório, nem não-emancipatório,
pois estas características pertencem aos movimentos, as organizações e aos
grupos subalternos cosmopolitas que utilizam a lei para alcançar seus objetivos
e concretizar suas lutas. É aí que entram os movimentos e organizações contra
hegemônicos, que lutam contra as sequelas econômicas, sociais e políticas da
globalização hegemônica e defendem que os interesses do capital são
responsáveis pela exclusão social e por negar dignidade humana e respeito a uma
grande parte da população. Assim, as cotas raciais demonstram ser passos
iniciais, mas muito importante, para a construção de um projeto plural que visa
reivindicações e critérios de inclusão social que vão muito além dos horizontes
do capitalismo global.
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