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terça-feira, 8 de novembro de 2016

Tendo em vista a ADPF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, pela qual o partido Democratas declarou os atos que levaram à implementação do sistema de cotas da UNB como inconstitucionais, há de se notar a necessidade do debate referente ao assunto em questão. Baseando-se em conceitos de Boaventura, noções como emancipação social, pré-contratualismo e igualdade formal são imprescindíveis para o entendimento do quão crítica é a situação de minorias frente a nossa realidade jurídica e social brasileira. As diferenças e disparidades injustas encontradas na nossa sociedade dão margem para que aspectos básicos de cidadania - como o acesso as universidades de forma gratuita - sejam negados a grupos historicamente excluídos. Desta forma, estes continuam sofrendo reflexo de toda uma construção social e histórica sem previsões de melhora imediata. O polemico sistema de cotas é um passo - mesmo que lento - do Direito para a igualdade material, e ao mesmo tempo, uma afronta ao conservadorismo temeroso das mudanças que possivelmente, darão fim aos seus consolidados privilégios.

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Caro diário,

Eu não entendo. Muita coisa nesse mundo, eu não entendo. Tudo parece estar errado.
Hoje meus colegas de classe me chamaram de sujo. Eu não entendi o motivo, diário, realmente não entendi. Não gostei nem um pouco da brincadeira.
Esses dias, vi meus pais chorando juntos na mesa da cozinha. Papai perdeu o emprego, o tal de “Seu Gilbert” acreditou na palavra de outro funcionário que o acusava de roubo. Minha mãe, coitada, não consegue emprego há anos - sem contar os bicos que ela faz como faxineira não registrada. A instabilidade dos próximos meses me preocupa. Talvez eu tenha que sair da escola de novo, como foi naquele tempo em que as coisas estavam difíceis e meus pais precisavam da minha ajuda. Meus outros três irmãos também precisam comer, não é mesmo?


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Caro Diário,

Tá tudo errado. Hoje foi meu primeiro dia de volta à escola, depois de longos 2 anos. Mudei-me para uma escola mais próxima do centro. Com a ajuda do novo patrão do meu pai, consegui bolsa numa escola paga. Todos me olhavam com desdém. Foi uma das piores situações que já passei.
O tema da aula era a vida na periferia. O professor levantava questionamentos que eu nunca fizera antes. Sei que todos nós lá da comunidade não temos vida de luxo, sei disso. Mas há muitas coisas erradas do que eu imaginava, diário. Muitas. O professor disse que é direito nosso o acesso à educação. À saúde. Disse que é direito nosso estar na faculdade.
Eu não vejo nada disso. Vejo meus amigos sem nem completar o ensino fundamental, vejo que em seus planos futuros, falar em faculdade é quase uma piada. Piada sem graça. Ninguém sabe disso lá da onde eu vim. Ninguém sabe o que é a satisfação de deter o “saber”. Ninguém sabe como ainda podemos tirar algum proveito de certas situações pelo fato de sermos negros, humildes, excluídos.

Houve quem defendesse, na mesma aula, que as cotas raciais eram injustas. Injustas? Essas pessoas sequer sabem o que é injustiça real. Injustiça é não ter condição de ter uma boa educação, uma educação de base e de qualidade. Injustiça é ser seguido e monitorado, a todo instante, por me julgarem como possível delinquente. Injustiça é todo o reflexo histórico - preconceituoso, ignorante e asqueroso- que eu e meus iguais sofremos. Injustiça é querer tratar igual aquilo que desde sempre foi tratado diferente.

Igualdade não é justiça. Diferença não é justiça. Preconceito não é justiça.

A previsão para um futuro injusto? Normalização da exclusão. Como diria meu professor, o aumento de pessoas na definição pré-contratualista.

Com indignação e certo pessimismo quanto ao futuro, deixo pra você, caro diário, meu mais sincero e agoniado desabafo.






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