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domingo, 27 de setembro de 2015

Beccaria, Marx e o Massacre do Pinheirinho


Em janeiro de 2012, a polícia militar do estado de São Paulo cumpriu a ordem da justiça estadual e procedeu com a reintegração de posse da ocupação do “Pinheirinho”, na cidade de São José dos Campos. Não por acaso, o episódio teve repercussão nacional sob o nome de “massacre do Pinheirinho”: a violência na ação da PM foi consequência de um caso que correu descumprindo uma série de garantias processuais, desrespeitando uma série de direitos humanos e que demonstrou a apatia do Estado e da justiça brasileiros (em todas as suas instâncias) para com a vida de 6 mil cidadãos.
Marx, por sua vez, na obra Crítica a Filosofia do Direito de Hegel, de 1844, fundamente, a partir da observação da obra de Hegel, sua crítica de que o Estado e o Direito seriam ferramentas de dominação da burguesia. Enquanto para Hegel o Estado – expressão máxima da razão humana – condiciona a sociedade civil, para Marx a sociedade civil molda o Estado, de forma que a racionalidade do Direito não parte do Estado enquanto um ente abstrato, mas dos interesses da classe que o domina. Dessa forma, Marx desconstrói a ideia de Hegel que, a partir da formação do Estado, o homem se torna verdadeiramente livre, submetido ao direito e jamais a outros homens; ele demonstra o ponto falho da filosofia hegeliana: pensar o Estado sem pensar quem compõe o Estado.
É interessante trazer também a visão de Cesare Beccaria a partir de sua obra Dos Delitos e das Penas, de 1763: o livro trata dos problemas dos processos criminais no que se refere ao arbítrio do Estado e dos juristas. O autor busca deslegitimar as penas cruéis e a pena de morte e defende a proporcionalidade entre delito e pena, a supremacia da lei e o principio da isonomia – ideias extremamente avançadas para uma Europa absolutista, na qual o Direito Penal contemplava as diferenças de uma sociedade estamental.
O Massacre do Pinheirinho pode nos remeter tanto a teoria marxista quanto as ideias humanistas de Beccaria e permanecem atuais apesar de pertencerem aos séculos XIX e XVIII, respectivamente. Apesar de controverso, é inegável que os operadores do Direito – enquanto representantes do Estado – agiram em favor da classe dominante; o descaso das autoridades com a vida da seis mil pessoas demonstra o poder que o poder econômico exerce sobre o poder político – afinal, é impossível estudar o caso sem considerar que se tratava de um terreno que valia 500 milhões de reais e que o dono era uma dos maiores empresários do país.
E aí entra também a ideia de Beccaria: se todos os delitos deveriam sofrer a mesma pena, e essa pena deveria ser proporcional, e as penas cruéis não possuíam razão de ser no Estado, o que dizer sobre a resposta da PM aos moradores do Pinheirinho? Há de se considerar o direito a propriedade do empresário; mas não se pode simplesmente negligenciar a vida de 1600 famílias, que mais do que residências, construíram um lar no terreno e tiveram uma série de direitos humanos gravemente violados (incluindo o princípio da dignidade da pessoa humana, que deveria funcionar como núcleo do ordenamento jurídico vigente).

As teorias de Marx e Beccaria, portanto, encontram-se como complementares: a única maneira de barrar, ainda que em parte, os arbítrios de qualquer classe dominante que exercesse forte influência sobre o poder político seria limitando essa influência – e o próprio poder político – a partir de garantias processuais e a proteção de direitos dos cidadãos, formando um rol de direitos aos quais o Estado não poderia se sobrepor.


Heloisa de Maia Areias
1º ano de Direito diurno

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