Em
janeiro de 2012, a polícia militar do estado de São Paulo cumpriu a ordem da
justiça estadual e procedeu com a reintegração de posse da ocupação do “Pinheirinho”,
na cidade de São José dos Campos. Não por acaso, o episódio teve repercussão nacional
sob o nome de “massacre do Pinheirinho”: a violência na ação da PM foi consequência
de um caso que correu descumprindo uma série de garantias processuais,
desrespeitando uma série de direitos humanos e que demonstrou a apatia do
Estado e da justiça brasileiros (em todas as suas instâncias) para com a vida
de 6 mil cidadãos.
Marx,
por sua vez, na obra Crítica a Filosofia
do Direito de Hegel, de 1844, fundamente, a partir da observação da obra de
Hegel, sua crítica de que o Estado e o Direito seriam ferramentas de dominação da
burguesia. Enquanto para Hegel o Estado – expressão máxima da razão humana – condiciona
a sociedade civil, para Marx a sociedade civil molda o Estado, de forma que a
racionalidade do Direito não parte do Estado enquanto um ente abstrato, mas dos
interesses da classe que o domina. Dessa forma, Marx desconstrói a ideia de
Hegel que, a partir da formação do Estado, o homem se torna verdadeiramente
livre, submetido ao direito e jamais a outros homens; ele demonstra o ponto
falho da filosofia hegeliana: pensar o Estado sem pensar quem compõe o Estado.
É
interessante trazer também a visão de Cesare Beccaria a partir de sua obra Dos Delitos e das Penas, de 1763: o livro
trata dos problemas dos processos criminais no que se refere ao arbítrio do
Estado e dos juristas. O autor busca deslegitimar as penas cruéis e a pena de
morte e defende a proporcionalidade entre delito e pena, a supremacia da lei e
o principio da isonomia – ideias extremamente avançadas para uma Europa absolutista,
na qual o Direito Penal contemplava as diferenças de uma sociedade estamental.
O
Massacre do Pinheirinho pode nos remeter tanto a teoria marxista quanto as
ideias humanistas de Beccaria e permanecem atuais apesar de pertencerem aos
séculos XIX e XVIII, respectivamente. Apesar de controverso, é inegável que os
operadores do Direito – enquanto representantes do Estado – agiram em favor da
classe dominante; o descaso das autoridades com a vida da seis mil pessoas
demonstra o poder que o poder econômico exerce sobre o poder político – afinal,
é impossível estudar o caso sem considerar que se tratava de um terreno que
valia 500 milhões de reais e que o dono era uma dos maiores empresários do
país.
E
aí entra também a ideia de Beccaria: se todos os delitos deveriam sofrer a
mesma pena, e essa pena deveria ser proporcional, e as penas cruéis não possuíam
razão de ser no Estado, o que dizer sobre a resposta da PM aos moradores do
Pinheirinho? Há de se considerar o direito a propriedade do empresário; mas não
se pode simplesmente negligenciar a vida de 1600 famílias, que mais do que residências,
construíram um lar no terreno e tiveram uma série de direitos humanos
gravemente violados (incluindo o princípio da dignidade da pessoa humana, que
deveria funcionar como núcleo do ordenamento jurídico vigente).
As
teorias de Marx e Beccaria, portanto, encontram-se como complementares: a única
maneira de barrar, ainda que em parte, os arbítrios de qualquer classe
dominante que exercesse forte influência sobre o poder político seria limitando
essa influência – e o próprio poder político – a partir de garantias
processuais e a proteção de direitos dos cidadãos, formando um rol de direitos
aos quais o Estado não poderia se sobrepor.
Heloisa de Maia Areias
1º ano de Direito diurno
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