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domingo, 27 de setembro de 2015

Talvez burguês, certamente cruel

O Caso do Pinheirinho ficou nacionalmente conhecido por em 2012 ter causado a desocupação violenta de mais de 1600 famílias que viviam no terreno há oito anos e que  lá haviam constituído família e estabelecido suas vidas como cidadãs, de forma honesta e organizada. Os dois juízes e o desembargador responsáveis pelo caso optaram repentinamente – em uma madrugada de domingo – pelo Direito de Propriedade que, no caso, estava em conflito com o Direito à Moradia, favorecendo, assim, o proprietário da empresa Selecta Comércio e Indústria, suposto dono do terreno em questão.  Dessa forma, considerando que o Direito à Moradia e o Direito à Propriedade possuem o mesmo grau de hierarquização na Lei e a forma desnecessariamente marginalizada com que foram tratados os habitantes do terreno – sendo que casas foram demolidas com todos os móveis, utensílios e pertences dos moradores e violências físicas foram denunciadas – fica o intrigante questionamento e análise de que o Direito tem sido um instrumento de Justiça classicista e predominantemente burguês, como exemplificado claramente pelo Caso do Pinheirinho.
Nesse sentido, Karl Marx defendia, já em 1843 em sua obra ‘Para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel’ a idéia de que o Direito e o Estado são instrumentos de dominação da classe burguesa, da classe de maior poderio econômico, capaz de provocar o subjugamento e subserviência daqueles que não tem acesso direto ao mesmo poder. Sendo assim, apesar do mesmo grau de hierarquia entre os dois direitos, optou-se por favorecer aquele que traria privilégios ao rico empresário, capaz de dar um destino economicamente mais rentável para o terreno e, mais do que isso, dando voz apenas a ele.  Isso pode ser visto a partir do momento em que os moradores do terreno não tiveram sequer a possibilidade de ajuda da defensoria – idéia vetada pela juíza responsável pelo caso por razões pouco esclarecidas – exemplificando novamente o ínfimo acesso que as pessoas necessitadas têm ao Direito no Brasil. Assim sendo, caberia aqui a alusão entre o Direito e a Religião – feita por Marx nessa mesma obra – ambos ópios do povo, em que tem-se a ilusão da bondade, da justiça e da igualdade quando, na realidade, permanece-se cego diante das misérias da humanidade e poucas atitudes concretas são tomadas.
Entretanto, há outra perspectiva dessa história que pode ser fundamentada pelas ideias de Hegel – outro importante filósofo que não pode ser descartado.  Para esse autor, o Direito seria a expressão máxima da racionalidade humana, único capaz de promover justiça, mediar conflitos e normatizar as relações interpessoais e, diante do qual, todos seriam certamente iguais. Assim sendo, o Direito de Propriedade também deve ser considerado igualmente importante, uma vez que, por mérito, o empresário detinha a posse da propriedade e, segundo consta as fontes, ela tinha sim função social, pois era ocupada por João Alves de Siqueira e sua família. Dessa forma, o Direito nesse caso foi aplicado de forma justa, a favor da propriedade particular que também é uma garantia constitucional.
Diante dessas duas perspectivas opostas, há uma única certeza inquestionável: o que claramente ocorreu de injusto e inconstitucional em toda a ação foi a forma como foram tratados os moradores da favela do Pinheirinho, mais do que qualquer favorecimento. Direito nenhum, bem como poder econômico ou militar justificam a violência, o descaso e a desumanidade empregados no despejo dos habitantes em pleno domingo. Um processo que se arrastou por quase uma década poderia evidentemente ter um desfecho que levasse mais do que algumas horas de demolições e escombros desoladores, considerando também encontrar e construir novas casas e lares para as famílias que seriam deslocadas. Com isso, conclui-se que, muito mais do que a imparcialidade do Direito, o grande perigo a que estão sujeitos todos os que procuram o acesso à Justiça no Brasil é se depararem com operadores do Direito meramente técnicos, programados para tomar decisões sem prover qualquer remediação das consequências.

 É justamente essa perspectiva de uso incorreto e prejudicial do Direito – que deveria ser um instrumento para a Justiça – que fez com que importantes juristas como Fábio Konder Comparato e Dalmo de Abreu Dallari notificarem o Conselho Nacional de Justiça e pedirem consequências aplicadas aos juízes e desembargadores envolvidos. Afinal, mais do que discutir se a decisão tomada em si foi certa ou não, elitista ou não, é urgente pensar na situação em que se encontram as famílias despejadas e lutar contra esse tipo de insensibilidade, muito mais nociva e cruel do que a decisão judicial liminar já tomada e irreversível. 

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