O Caso do Pinheirinho ficou nacionalmente conhecido
por em 2012 ter causado a desocupação violenta de mais de 1600 famílias que
viviam no terreno há oito anos e que lá
haviam constituído família e estabelecido suas vidas como cidadãs, de forma
honesta e organizada. Os dois juízes e o desembargador responsáveis pelo caso optaram
repentinamente – em uma madrugada de domingo – pelo Direito de Propriedade que,
no caso, estava em conflito com o Direito à Moradia, favorecendo, assim, o
proprietário da empresa Selecta Comércio e Indústria, suposto dono do terreno
em questão. Dessa forma, considerando
que o Direito à Moradia e o Direito à Propriedade possuem o mesmo grau de
hierarquização na Lei e a forma desnecessariamente marginalizada com que foram
tratados os habitantes do terreno – sendo que casas foram demolidas com todos
os móveis, utensílios e pertences dos moradores e violências físicas foram
denunciadas – fica o intrigante questionamento e análise de que o Direito tem
sido um instrumento de Justiça classicista e predominantemente burguês, como
exemplificado claramente pelo Caso do Pinheirinho.
Nesse sentido, Karl Marx defendia, já em 1843 em sua
obra ‘Para a Crítica da Filosofia do
Direito de Hegel’ a idéia de que o Direito e o Estado são instrumentos de
dominação da classe burguesa, da classe de maior poderio econômico, capaz de
provocar o subjugamento e subserviência daqueles que não tem acesso direto ao
mesmo poder. Sendo assim, apesar do mesmo grau de hierarquia entre os dois
direitos, optou-se por favorecer aquele que traria privilégios ao rico
empresário, capaz de dar um destino economicamente mais rentável para o terreno
e, mais do que isso, dando voz apenas a ele.
Isso pode ser visto a partir do momento em que os moradores do terreno
não tiveram sequer a possibilidade de ajuda da defensoria – idéia vetada pela
juíza responsável pelo caso por razões pouco esclarecidas – exemplificando
novamente o ínfimo acesso que as pessoas necessitadas têm ao Direito no Brasil.
Assim sendo, caberia aqui a alusão entre o Direito e a Religião – feita por
Marx nessa mesma obra – ambos ópios do povo, em que tem-se a ilusão da bondade,
da justiça e da igualdade quando, na realidade, permanece-se cego diante das misérias
da humanidade e poucas atitudes concretas são tomadas.
Entretanto, há outra perspectiva dessa história que
pode ser fundamentada pelas ideias de Hegel – outro importante filósofo que não
pode ser descartado. Para esse autor, o
Direito seria a expressão máxima da racionalidade humana, único capaz de
promover justiça, mediar conflitos e normatizar as relações interpessoais e, diante
do qual, todos seriam certamente iguais. Assim sendo, o Direito de Propriedade
também deve ser considerado igualmente importante, uma vez que, por mérito, o
empresário detinha a posse da propriedade e, segundo consta as fontes, ela
tinha sim função social, pois era ocupada por João Alves de Siqueira e sua família.
Dessa forma, o Direito nesse caso foi aplicado de forma justa, a favor da
propriedade particular que também é uma garantia constitucional.
Diante dessas duas perspectivas opostas, há uma única
certeza inquestionável: o que claramente ocorreu de injusto e inconstitucional
em toda a ação foi a forma como foram tratados os moradores da favela do
Pinheirinho, mais do que qualquer favorecimento. Direito nenhum, bem como poder
econômico ou militar justificam a violência, o descaso e a desumanidade
empregados no despejo dos habitantes em pleno domingo. Um processo que se
arrastou por quase uma década poderia evidentemente ter um desfecho que levasse
mais do que algumas horas de demolições e escombros desoladores, considerando
também encontrar e construir novas casas e lares para as famílias que seriam
deslocadas. Com isso, conclui-se que, muito mais do que a imparcialidade do
Direito, o grande perigo a que estão sujeitos todos os que procuram o acesso à
Justiça no Brasil é se depararem com operadores do Direito meramente técnicos,
programados para tomar decisões sem prover qualquer remediação das consequências.
É justamente
essa perspectiva de uso incorreto e prejudicial do Direito – que deveria ser um
instrumento para a Justiça – que fez com que importantes juristas como Fábio
Konder Comparato e Dalmo de Abreu Dallari notificarem o Conselho Nacional de
Justiça e pedirem consequências aplicadas aos juízes e desembargadores envolvidos.
Afinal, mais do que discutir se a decisão tomada em si foi certa ou não,
elitista ou não, é urgente pensar na situação em que se encontram as famílias despejadas
e lutar contra esse tipo de insensibilidade, muito mais nociva e cruel do que a decisão
judicial liminar já tomada e irreversível.
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