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domingo, 27 de setembro de 2015

Até quando?

Em 2004, um grupo de trabalhadores sem-teto começou a ocupar um terreno que há 23 anos se encontrava abandonado. Tal terreno,  localizado na cidade de São José dos Campos, pertencia à massa falida da empresa Selecta do, megaespeculador, Nahji Nahas. Nesse interím, deu-se início a uma verdadeira disputa judicial pela posse do terreno. De um lado, o direito de propriedade de um único milionário e de outro, o direito de moradia de quase 6000 pobres. A forma como se resolveu o caso foi justa? É possível colocar no mesmo patamar o direito de propriedade e o direito de moradia? Os magistrados agiram de forma imparcial? O Direito é universal? Os princípios fundamentais da Constituição foram respeitados? Até quando o princípio da dignidade humana sucumbirá diante dos interesses econômicos? As respostas a essas perguntas não são fáceis, recorre-se a Marx para buscar a compreensão.

Em 2011, foi concedida a liminar de reintegração de posse pela juíza Márcia Faria Mathey Loureiro, cujo julgado apresenta compreensões muito próximas daquelas defendidas por Hegel. Com efeito, esse importante filósofo alemão do século XIX entende que o Estado forja os pilares do condicionamento permante, fazendo com que os homens respeitem os princípios. A lei é a mesma para todos pois é fruto da razão, isto é, o direito carrega o príncipio da isonomia. Nessa perspectiva, se o direito é igual para todos, é universal. Então, basta operá-lo, como o faz a juíza. Segundo a qual: “Na pirâmide dos direitos e garantias constitucionais, o Direito de Propriedade e o Direito à Moradia, encontram-se no mesmo nível de hierarquia”. Ou seja, em sua visão, a vida das partes pouco importa, tanto faz se é o Naji Nahas ou a vida de muitas famílias que trabalharam para conseguir aquilo.

Os precedentes do julgado, bem como suas consequências. Mostram uma realidade diversa daquela apresentada pela juíza. Percebe-se uma clara influência da classe dominante na consecução dos fatos. Sabe-se que Naji Nahas é uma megaespeculador que, certa vez, rompeu a bolsa de valores do Rio de Janeiro ao utilizar como pagamento de seus empréstimos um cheque sem fundo. Sua empresa, Selecta, entrou em processo de falência e seus bens teriam que ser leiloados para o pagamento dos credores.  Um desses bens era um terreno de mais de um milhão de metros quadrados. Este, contudo, depois de muito tempo, não havia sido ainda leiloado, estava, em verdade, abandonado há muitos anos. E um dos pontos é esse: sem exercer sua função social: não havia prédios, moradias, escolas... Até que, nesse interím, famílias começaram a ocupá-lo, construindo moradias e estabelecendo relações sociais.

Logo, no entanto, despertaram a fúria da classe dominante. A qual não estava disposta a lidar com esses “esbulhadores”. Tanto é que, no início, como o IPTU atrasado ultrapassava o valor do terreno, poderia ser facilmente desapropriado pelo governo federal, o qual poderia, assim, regularizar a situação. A elite de São José dos Campos, contudo, era totalmente contra essa desapropriação. E, como o prefeito agia em prol desse interesse da elite, que não se afastava do seu, a mesma não se realizou. Tal postura mostra que, dificilmente, podem ser equiparados os direitos de moradia e de propriedade, pois sob o segundo recai os interesses da burguesia, a qual, segundo Marx, sempre prezará pela manutenção de seus interesses.

Nesse cenário, tudo parecia favorecer o interesse de um único proprietário em detrimento da vida e dignidade de várias famílias. O modo como se deu o processo pela reintegração demonstra uma série de irregularidades, o que se afirma na “reclamação disciplinar” contra os magistrados que se envolveram no caso.

A desocupação contou com a atuação da força policial que dispunha de helicópteros, balas de borracha, spray de pimenta, bombas, cães... Mostrando que não se daria de maneira “pacífica” tal como afirmava a Juíza (mais uma vez mostrando como a realidade se distancia da abstração). Com efeito, enquanto as casas eram demolidas, os policiais agiam violentamente, sobretudo, com aqueles que resistiam. Percebe-se que foi um claro desrespeito ao príncipio da dignidade da pessoa humana. Sendo que, naquele momento, este princípio deveria ter prevalecido, já que se trata de muitas famílias colocadas na rua, isto é, sem moradia, um direito fundamental imprescindível para a garantia de outros direitos.

A forma como tudo isso era veiculado na mídia, também demostra a aproximação com os interesses das classes dominantes, havia alguns, como Reinaldo Azevedo, cujo blog é um “dos mais acessados no Brasil”, que afirmava o exercício do Estado de Direito no caso do Pinheirinho. Afinal, para ele, ninguém os proibiu de ter terras, eles são livres... Portanto, também se aproxima de uma visão hegeliana. A qual, segundo Marx, não se realiza no plano material. Esse direito produzido pelo Estado de Hegel nunca será isonômico, porque é um produto da ideologia de uma classe.


Percebe-se, que, analisando a realidade, conforme Marx se propunha, se vê um forte interesse e influência da classe dominante para que se fizesse valer o direito de propriedade. Não obstante, segundo Fábio Konder Comparato, percebe-se, na história da justiça brasileira uma ausência de consciência, por parte dos juízes, das consequências sociais das suas decisões (as quais tendem a ser meramente formais e individuais). Elas estão pautadas, rigorosamente, naquilo que está escrito na lei. Sendo exatamente o que se deu no caso do Pinheirinho. 


Yasmin Commar Curia
Direito-  noturno

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