Havendo
falido uma empresa, e deixado um terreno abandonado, algumas pessoas
integrantes do Movimento Sem Teto passaram a ocupá-la. Aos poucos
foram criando uma comunidade, até atingir o total de 5488
moradores. A área ocupada ficou conhecida como Pinheirinhos. Era um
verdadeiro bairro, com uma logística claramente diferenciada. “[A
comunidade Pinheirinho] era
formada por cidadãos produtivos e suas famílias, que construíram
uma situação socialmente consolidada, ocupando uma imensa área
abandonada e improdutiva. A comunidade, portanto, deu ao imóvel sua
função social”. (Reclamação
Disciplinar
0003705-16.2012.2.00.0000)
Função
social esta que a empresa não estava cumprindo, ao deixar a
propriedade abandonada. Contudo, a área se tornou mais valorizada
economicamente, o que fez com que o proprietário passasse a querer
seu imóvel de volta. Isso acarretou na abertura de um processo de
Reintegração de Posse. Os juízes que dela participaram foram
parciais, favorecendo a empresa descaradamente, a comunidade entrou
com um recurso, mas foi negado. Marx, se estivesse ainda entre nós,
ao analisar tal caso, afirmaria que isso é fruto de uma sociedade
capitalista burguesa, pois o direito é dominado pela burguesia para
que seja um instrumento a seu favor.
Enquanto
a empresa lutava por seu direito à propriedade, os moradores da
comunidade lutavam por seu direito à moradia. Ambos são protegidos
pela Constituição e encontram-se no mesmo patamar dentro da
hierarquia normativa. Todavia, há que se levar em conta que a
comunidade já estava ocupando o imóvel havia sete anos, enquanto a
empresa não fazia nada de útil com ele, além de deixar de pagar
alguns meses de impostos.
O
argumento usado para
defender a empresa, pelo
desembargador
José Joaquim dos Santos, foi o de que o imóvel não estava
realmente abandonado, pois os proprietários haviam formado uma
guarita para proteger a área contra a ação de usucapião. Nesse
sentido, ele afirma “Ora
o simples fato da permanência de tais pessoas no bem, exercendo
vigilância sobre a ocupação do autor, já é apto a afastar a
alegação de abandono do imóvel pelo seu proprietário e de posse
tranquila pelo autor”. (Recurso
de
Apelação Cível n° 9126521-61.2005.8.26.0000)
A
juíza Márcia Faria Mathey Loureiro diz que os “esbulhadores”
estavam lutando por seu direito constitucional à moradia às custas
da empresa falida. Ela utiliza o direito de forma técnica, da forma
como Hegel defendia. Este pensador acreditava que, por serem todos
iguais perante a lei, todos teriam as mesmas oportunidades. Em sua
visão, tanto os integrantes do MST quanto o proprietário da
empresa, teriam tido os mesmos direitos, mas o último, devido ao seu
esforço e mérito, haveria alcançado maior prosperidade. Portanto,
entregar a propriedade aos moradores da comunidade, em sua visão,
seria um erro, já que eles não haveriam batalhado para consegui-la,
como o proprietário. A juíza, portanto, compartilha de uma visão
semelhante à dele.
Por
fim, qualquer que seja o posicionamento correto, seja tomando como
base a sociologia, ou o direito, nada justifica a forma como os
integrantes do MST foram tratados. Durante o procedimento de
desocupação, vários moradores foram agredidos, alguns até mortos.
Foram humilhados, espancados, segregados. Toda
essa ação feriu gravemente o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, que, supostamente, deve nortear todo o direito. Foram
tratados como criminosos, sendo que a grande bandida nessa história
foi a sociedade na qual eles e nós estamos inseridos, essa sociedade
cheia de valores deturpados, que não consegue pensar em algo além
do lucro.
Beatriz Mellin Campos Azevedo
Diurno
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