A dissonância
entre direito a propriedade e direito a moradia é um ruído clássico nas sociedades
capitalistas e promove embates todos os dias. Muitos desses embates são
velados, quase silenciosos, entretanto alguns soam como garrulas e ferem a
dignidade e os direitos humanos de trabalhadores diariamente. Entre os últimos
está caso Pinheirinho.
Em 2004, um
terreno em São José dos Campos foi invadido para fins de moradia. Se a frase
terminasse ai daria abertura para muitas discussões e diversas opiniões sobre o
fato, contudo não termina. O terreno em questão pertencia a uma empresa falida,
Selecta, e estava abandonado, improdutivo e sem função social. Deste modo, o proprietário
do terreno não exercia direito de posse sobre ele, então a tomada de terras
paradas para um fim social não se trata meramente de uma invasão.
Logo que a
terra foi tomada os proprietários entraram com uma ação de reintegração de
posse, que durante sete anos e meios foi barrada pelas mãos da justiça aliada
ao bom senso. Durante todo esse tempo ali no terreno se estabeleceram mais de
mil famílias, todas com acesso justo a um pedaço de terra, 81 pontos comerciais,
ruas, associações de bairro e principalmente, história. História do movimento
social que ganhara força, de famílias que firmaram um lar e raízes com o
terreno que as acolhera.
Entretanto,
em 2011 uma nova juíza assumiu posição, o caso foi removido da gaveta e a lei
foi brutalmente ferida assim como a dignidade dos moradores, que estavam
dispostos a lutar contra a ordem judicial, por todos os meios institucionais atrás
de uma solução. Porém, o braço da força e da real ilegalidade, mandado pela juíza,
comandou uma ação contando com mais de 2000 policiais militares que invadiram (
e agora podemos chamar de uma real invasão) o bairro e expulsaram brutalmente famílias
de dentro de suas casas, fazendo-as deixar para trás tudo o que tinham construído,
documentos, fotos, memórias e mais que isso, a dignidade. Correndo pelas ruas na noite do ocorrido, sofrendo de abuso moral, físico e sexual dos policiais que não pouparam arrogância e violência.
O Direito
fora operado durante quase 8 anos em prol da comunidade, mas foi lembrado por
deixar que essa atrocidade acontecesse. Quando Marx fala da luta de classes,
ele é contemplado pelo conflito citado no inicio do texto, o direito a
propriedade se sobrepôs ao direito a moradia, previsto na Constituição Federal
e roubado pelo Estado. O Direito para Marx seria um instrumento que o burguês usou,
mas acredito que ele possa ser usado como instrumento de mudança social e de
melhorias para a população carente, afinal o Direito é o espaço do conflito.
Movimento
Há um movimento
perfilando
em cada canto,
fustigando a voz
que foi abafada.
Há um movimento
se refazendo
debaixo do caldeirão,
aquecendo o dia que
será festejado
do amanhecer até o anoitecer.
Há um movimento
das consciências
negras
se encontrando no mesmo terreiro,
no mesmo barraco
e tomando banho no mesmo rio.
Há um movimento
removendo o medo
que foi instalado
na inocência de nosso corpo
e resgatando a coragem que venceu a Cruz.
Há um movimento
vasculhando memórias,
culturas,
tecendo na incerteza do amanhã
a certeza da vitória.
(...)
Derli Cassali
– Integrante do MST e poeta
Beatriz Carvalho- Direito Noturno(1o ano)
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