Na
tentativa de compreender profundamente a sociedade, Bordieu, sociólogo francês,
dividiu esta mesma em diversos campos de compreensão, autônomos entre si, porem
com certa interconectividade. Em cada campo, reconhece uma forma de luta
singular pela busca do poder simbólico, uma vez que é através do poder que se
tem a hegemonia e o controle das mudanças de cada âmbito, já que seriam capazes
de moldar comportamentos. Nesta visão, o Direito deve ter caráter rigoroso, a
fim de se evitar que sirva as vontades da classe detentora do poder e que ceda
aos grupos de pressão.
Como
defende que os diferentes campos tem certa interconectividade, tece crítica a
Kelsen, pois este defendia que nenhuma ciência alheia ao Direito poderia
influenciá-lo. Com isso, podemos analisar a Arguição de Descumprimento dos
Preceitos Fundamentais 54, na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Saúde (CNTS) procura o reconhecimento da inconstitucionalidade da criminalização
do aborto de anencéfalos, sob a ótica de Bordieu. Justamente por defender uma interação
e influencia das ciências no Direito, é mostrado aqui como um âmbito responsável
pela saúde pode ajudar a modificar as normas constitucionais vigentes de
eficácia limitada.
Para
o caso, analisou-se, não somente a questão da saúde da mulher, na forma segura
de realizar este aborto sem riscos a sua vida, mas também a questão psicológica,
consistente no emocional da mãe em parir e cuidar (por pouco tempo) de um bebe
que nasce morto (morte clínica). Por ter efeito ex tunc, o relator do caso, Ministro Marco Aurélio, teve
responsabilidade de alcançar o melhor para a maioria não somente pela visão normativa
do Direito.
O
caso representa um enorme tabu para a sociedade, uma vez que o ideário
religioso ainda é muito forte não somente na sociedade, mas no âmbito parlamentar.
É a partir de decisões jurisprudenciais como esta que se deve associar o
Direito a outras áreas de ciência, bem como dar voz aos grupos de pressão social,
os quais clamam por suas necessidades – sendo o aborto uma das principais
pautas do movimento feminista, tratando-se não somente da questão ideológica,
mas da saúde da mulher – a fim da construção de uma sociedade que garanta
direitos a todos. Para tal fim, os Ministros do STF devem, portanto, cortar as
amarras engessadas do Direito positivo, atribuindo visões de cunho social, psicológico,
de pronfunda analise das consequências individuais, para que se atenda a essas
demandas sociais.
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