A teoria de Bourdieu examina
o Direito a fim de se compreender o Estado e sua atuação, conjunta à análise
substancial da sociedade enquanto âmbito de diversos campos interligados. Tais
campos, por sua vez, preservam determinada autonomia e se erigem em torno de um
“habitus” próprio. Nesse sentido, o autor procura garantir
cientificidade ao Direito, eximindo-o do formalismo e o instrumentalismo, ao
passo que reivindica sua reprodução independente das coações externas, sendo
resultado das lutas intrínsecas ao seu próprio campo.
Pela Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores e Saúde (CNTS) tem-se a questão do aborto de
anencéfalos debatida de forma por meio da intersecção de diversos campos: são
invocados elementos das ciências médicas e biológicas, questões religiosas,
históricas e éticas, que explicitam a influência exercida pelos mais diversos
âmbitos no campo do direito. Sendo assim, já de início, é refutada a teoria
kelseniana segundo a ótica de Bourdieu, posto que o Direito não apresenta nele
mesmo um fundamento próprio por si só e nem deve ser interpretado apartado dos
demais campos.
Ademais, a característica
pontual da decisão ao aborto de anencéfalos – tão-somente por não se fazer vida
em potencial - denuncia a superficialidade do debate: o habitus do patriarcado, da submissão da mulher
e da restrição de escolhas a ela primeiro concernentes, não é tocado. Antes,
formam “espaços possíveis” limitados, longe de serem abarcados. O campo jurídico
mostra-se restrito à linguagem e competência a necessariamente jurídicas, que
determinam os conflitos que devem adentrar seu campo e os moldes que serão
destinados a eles, fazendo-se dúbio à medida que se mostra via de mudança e
é permeado por padrões estruturalmente conservados.
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