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segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

POR UMA TARDIA IGUALDADE!

 

    O discurso racista na sociedade brasileira se dá, principalmente, na forma de ofensas a indivíduos por seu pertencimento a grupo racial minoritário, o que se convencionou chamar de injúria racial. Essa ofensa à honra subjetiva por elemento racial constitui uma das principais ferramentas do racismo estrutural para a inferiorização da população negra. De acordo com o partido Cidadania, não reconhecer a injúria racial como espécie do crime previsto no artigo 20 da Lei 7.716/1989 (Lei de Racismo) torna ineficaz o repúdio constitucional ao racismo, por não considerar imprescritível e inafiançável uma das suas principais formas de manifestação no mundo contemporâneo. A seu ver, seria como considerá-la supostamente menos grave, uma espécie de crime de menor importância do que a ofensa a coletividades por questões raciais, o que inviabiliza não só a efetividade, mas a própria eficácia do repúdio a todas as formas de racismo. Dessa maneira, a ADI 6987 afirmou que o crime tradicionalmente chamado de “injúria racial”, previsto no art. 140, §3º, do Código Penal, deveria ser interpretado agora como crime de racismo.

  Tendo em vista o racismo estrutural presente na sociedade brasileira, contextualizarei o conceito de poder simbólico de Pierre Bourdieu para elucidar tamanha desigualdade.

   Pois bem, os indivíduos não se diferenciam somente pelo poder econômico, mas também por interações que facilitam acesso a recursos de poder simbólico como o capital cultural e social. Sendo assim, esse poder simbólico define a capacidade de domínio de uma elite branca que tradicionalmente deteve o poder simbólico e econômico e utilizou desses meios para imposição de suas vontades e tradições. Ademais, historicamente, foi perpassada uma  visão, pelo catolicismo, que o negro não tinha alma, e portanto, era inferior ao branco. Desse modo, cabia ao negro apenas ao trabalho braçal, enquanto cabia aos indivíduos brancos os cargos que exigiam capacidade intelectual. Tal fato só serviu para consolidar o domínio da elite branca. 

    No entanto, com o tempo o capital cultural se expandiu e permitiu a chegada de novos indivíduos (que não pertenciam a essa elite) aos grandes cargos. O foco se deslocou dos tribunais para o usuário e utilizou o direito como um recurso de interação social e política. Esse movimento de expansão foi realizado graças à magistratura do sujeito que permitiu a tutela de sujeitos mais desamparados através da interiorização do direito que possibilitou a legislação de sua própria vida. Dessa maneira, grandes cargos passaram a ser assumidos por indivíduos estrangeiros perante essa elite, ou seja, indivíduos com consciência da desigualdade presente entre as classes sociais e do racismo histórico.

      Entretanto, por mais que esses indivíduos tenham chegado naquela posição, ainda era extremamente notável a dificuldade que as pessoas negras tinham de ocupar esses cargos. Um exemplo disso é a própria história do STF em que apenas 3 negros fizeram parte desse tribunal. Tendo isso em mente, é importante salientar que esses grandes cargos ocupados por indivíduos com consciência de classe e com consciência do preconceito racial existente são, salvo raras exceções, indivíduos brancos. 

   Achille Mbembe traça uma análise que comprova que o sistema judicial foi criado com base nos valores da classe dominante. Destarte, por mais que o capital cultural tenha se expandido e permitido a chegada de novos indivíduos aos grandes cargos, o sistema judicial foi sempre pensado para satisfazer as vontades e interesses da classe dominante. Pensando nisso, os grupos marginalizados (indivíduos negros, no nosso caso) não são contemplados pelo sistema. Um exemplo que o autor nos oferece é o da necropolítica. Em suma, consiste na distribuição desigual da oportunidade de viver e morrer no sistema capitalista atual. No caso, a morte de indivíduos negros e pobres é vista com naturalidade, sendo aceitável, enquanto a vida dos indivíduos brancos é mais importante e sua morte é vista com pesar.

   Por fim, o reconhecimento dos crimes de injúria racial como racismo, como proposto pelo Partido Cidadania, é de suma importância para redução da eficiência de uma política estatal que visa marginalizar a população negra. Somente a partir de políticas de reparação histórica como o sistema de cotas o país poderá caminhar para uma tardia igualdade.


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