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segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

ADI 6.987 e construção

     Em primeiro lugar, se dá ótica sobre como o HC 154.248 e a ADI 6.987 se construíram dentro da sociedade brasileira. Não há possibilidade de ignorar a construção histórica, étnica e sociológica deste país quando se inicia a discussão sobre racismo e injúria racial, os séculos de exploração, escravização da raça negra, a construção de identidade e de resistência, além disso, de sobrevivência dessa majoritária parcela da população que necessita utilizar da luta para ser escutado, precisa de mecanismos legislativos, judiciários e auxílio para viver uma vida minimamente harmônica.  

    
    A definição do crime de injúria racial como imprescritível, tem em vista tratar-se de uma espécie de racismo que infringe a dignidade coletiva da comunidade preta, não direcionado apenas ao indivíduo, se distinguindo do racismo, exaltado no inciso XLII do artigo quinto da Constituição Federal, que estabelece ele como crime inafiançável e imprescritível. O objetivo final é alcançar a oportunidade de equipará-los no âmbito jurídico.  

    
    Não podemos, de forma alguma, esquecer/ignorar as implicações sociais, jurídicas e em TODAS as relações humanas o impacto do sistema institucional que discrimina, marginaliza e oprime a comunidade preta.  

    Exalta-se, portanto, o conceito de alterocídio de Achille Mbembe como “constituir o outro não como semelhante a si mesmo, mas como objeto intrinsecamente ameaçador, do qual é preciso proteger-se, desfazer-se ou destruir (quando não se pode controlar)”, é o não reconhecimento do outro como ser digno. Além disso, se explora outro conceito apresentado pelo autor, o de enclausuramento do espírito, onde há a despersonificação do corpo negro, justificando a desumanização para brutalização.  

    O racismo é inerente à sociedade brasileira contemporânea e é preciso tratá-lo como objeto de análise essencial para atingir a igualdade e mais ainda, dignidade. O conceito de magistratura do sujeito de Garapon, onde o direito teria a função de auxiliar nas grandes demandas de grupos sociais que foram e s ão historicamente excluídos da política para que esses tenham o suporte para a superação da larga desigualdade que os aflige, parte da iniciativa desses grupos, do indivíduo, para que a problemática advinda da sociedade consiga ser levada ao âmbito de justiça.  

    Bourdieu nos ensina sobre os espaços dos possíveis e seus limites e interseções, onde a justiça e necessidade social se encontram no mesmo pleito, e ainda mais, sobre a historicização da norma, já que ela necessita se adaptar ao longo do tempo, as sociedades mudam, se transformam e a norma, se não mudar, irá ficar obsoleta.  

    Dessa forma, a decisão do STF de equiparar ambos os crimes têm justificativa histórica, social e vai de encontro às demandas sociais, bem como preceitos constitucionais, com objetivo de construir a democracia, visando não somente à igualdade, mas a equidade.  

    A ADI 6.987 contribui principalmente para a inescusabilidade daqueles que acreditam ser donos de direito para ofender, oprimir com base em justificativas de privilégio, extremamente desgostosas e finalmente dar voz e algum sentimento de reparação para a construção de um país um pouco melhor.

Helena Motta
Direito noturno

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