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sábado, 8 de agosto de 2020

Moderno nem tão moderno assim

 Émile Durkheim descreve em sua obra o contraste entre as sociedades pré-modernas e modernas. Ele descreve um fenômeno que ocorre nas sociedades pré-modernas, que é o fato de o “crime” e o que é considerado crime não estar relacionado diretamente ao prejuízo social/econômico causado pelo delito, mas sim ao impacto na consciência coletiva da sociedade. Dessa forma, tal ato é mais crime por chocar a população e ir contra seus ideais do que por necessariamente ter causado o mal. Essa característica atribui forte caráter punitivo às sociedades pré-modernas. Mas será que isso foi completamente superado?

Em teoria, a solidariedade orgânica, típica das sociedades modernas e mais complexas, faria com que a definição e a reação do crime ficasse muito mais estrita aos códigos criminais e à esfera jurídica, devido ao altíssimo de grau de especialização. Assim, em tese, todo o processo desde o cometimento do delito até o julgamento e punição ficaria a cargo de pessoas e órgãos específicos especializados para essa função.

Entretanto, na prática, não é exatamente isso que acontece. A consideração do crime como algo condenável mais pelo desacordo com os valores da consciência coletiva do que pelo dano direto e objetivo do ato ainda permanece incutido na mentalidade de parte considerável da população. Um exemplo disso no Brasil é o caso que aconteceu durante a 19° parada LGBTQI+, em 2015, quando a atriz transexual Viviany Beleboni desfilou "crucificada”, fazendo uma analogia com o sofrimento de Jesus e o passado pela população LGBTQI+. Essa performance gerou revolta em setores conservadores da sociedade, que exigiam que Viviany fosse punida por “atacar a Igreja e os bons costumes”, e a atriz chegou até a ser processada pela Associação das Igrejas Evangélicas. Essas pessoas demandavam uma condenação para a atriz pois sentiram que o protesto ofendeu os ideais instalados na consciência de cada uma delas, e que, por isso, deveria ser considerado ato criminoso.

A discrepância entre a natureza subjetiva do crime e suas consequências nas sociedades pré-modernas e na mentalidade dos setores conservadores das sociedades mais complexas e a natureza objetiva e restrita do ato ilícito e de seu processo punitivo empregada de fato nestas últimas é tanta que, recentemente, mesmo sob protestos e reclamações, o apresentador Sikêra Jr, da RedeTV, foi condenado a pagar uma indenização de R$30.000 a Viviany Beleboni, pelas ofensas proferidas à ela no passado, provando que, atualmente, o choque com os valores de determinado grupo não necessariamente configura crime, mas a ofensa de caráter preconceituoso direcionada à populações tradicionalmente marginalizadas, sim.

 

Leonardo Bastos Stevanato - 1° ano de direito - matutino


Referências:

https://istoe.com.br/sikera-jr-e-condenado-por-ofender-trans-que-interpretou-jesus-raca-desgracada/

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/06/transexual-e-intimada-depor-por-crucificacao-em-parada-gay-de-2015.html

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/06/representei-dor-que-sentimos-diz-transexual-crucificada-na-parada-gay.html


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