Entre o final do século XIX e início do século XX, após o estudo de trabalhos como o de Auguste Comte (1798-1857), o francês Émile Durkheim (1858-1917) buscou ultrapassar a análise ideológica social a partir da concepção da análise científica da realidade, a fim de mostrar que a Sociologia poderia ser uma ciência. Assim, desenvolveu uma metodologia sociológica que explica como a sociedade define o indivíduo, além de teorizar os tipos de solidariedade responsáveis pela coesão social e o papel do Direito nesse quesito.
Em “As Regras do Método Sociológico”, obra de 1895, Durkheim ressalta a importância de entender os fatos sociais como coisas e caracteriza-os como fenômenos externos, gerais e coercitivos - já que são pré-existentes aos indivíduos, independentes dos valores individuais e impostos a todos da sociedade, de maneira que contrariá-los pode replicar em formas de constrangimento e/ou punição. Sendo assim, são poucos os fatos não sociais, já que a imensa maioria se enquadra nesses aspectos ou deriva deles, como alguns fatos orgânicos.
No pensamento durkheimiano, o eixo central de toda a sociedade se encontra na coesão e no equilíbrio social, sendo incutido à educação o dever de naturalizar as regras sociais que evitem o estado de “anomia”, no qual há a ausência ou falta de leis e normas de conduta. Nessa perspectiva, a coerção fica mais evidente, já que é através dela que as resistências são punidas, objetivando a manutenção do equilíbrio. Com esse mesmo objetivo, há a reprodução de um modelo coletivo, no qual cada sociedade cria funções sociais específicas para suas determinadas necessidades e, assim, “cada um é arrastado por todos” - tendo em vista que a vida em comum, orientada pela dinâmica social, estabelece a “sincronia” dos atos.
Dessa forma, a esfera política de uma sociedade acaba por representar suas decisões gerais sobre a forma de sociabilidade, sendo, segundo o autor, “o modo pelo qual os diferentes segmentos que a compõem tomaram o hábito de viver uns com os outros”. Em “A Divisão do Trabalho Social”, de 1893, Durkheim, no que diz respeito à essa esfera, mostra que o Direito revela-se como a força social, imposta pelo Estado, capaz de controlar os desejos e impulsos humanos e manter a coesão, seja por respeito aos valores morais, seja por intervenção violenta. Ademais, diz que a chamada solidariedade é a responsável por garantir essa vontade de fuga à anomia, podendo ser mecânica ou orgânica.
Nas sociedades pré-modernas e “primitivas”, há a prevalência da solidariedade mecânica, posto que os indivíduos agem mecanicamente, seguindo uma consciência coletiva, respeitando as mesmas crenças e sem dar o devido significado aos seus papeis sociais. Nelas, as leis estão na cabeça de todas as pessoas, são considerados crimes tudo aquilo que ameaça a harmonia social e há o domínio do Direito punitivo, que age sob penas desproporcionais e que tendem à difamação e a influenciar que os crimes não se repitam - como, por exemplo, o “Código de Hamurabi” (do século XVIII a. C.), que tinha como premissa o famoso “Olho por olho, dente por dente”, ou o enforcamento e esquartejamento do inconfidente mineiro “Tiradentes”, em 1792, que teve partes de seu corpo espalhadas numa estrada e sua cabeça exposta em praça pública pela Coroa de Portugal.
Por outro lado, as sociedades modernas capitalistas são consideradas grandes organismos vivos com diferentes órgãos, os quais representam a divisão do trabalho. Nesse sentido, apresentam uma solidariedade orgânica, fundada no alto grau de interdependência dos indivíduos, e um Direito restitutivo, que tem como finalidade agir cirurgicamente na regulação funcional do corpo social, dado que as normas não estão mais em todas as consciências e não há mais a necessidade de eliminação do que é estranho - tendo em vista que ele não desagrega, mas fortalece a sociedade.
No entanto, em diversos lugares, por mais modernos que sejam, não há a plena aplicação prática desse Direito restitutivo, pois ainda há muitas injustiças sociais e traços do Direito punitivo - como no fato de que o Brasil é o país que mais pratica linchamentos no mundo. Nesses casos, há o conflito de interesses entre os apoiadores da punição e os da restituição. Por fim, há ainda aqueles individualistas extremos, que deixam suas vontades superarem a do todo ao não se conectarem com o organismo social e seus desejos.
REFERÊNCIAS
BOMENY, H. et al. Tempos modernos, tempos de sociologia. 2. ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2013. p. 76-87.
CÓDIGO de Hamurabi. In: EducaMais Brasil. Disponível em: https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/historia/codigo-de-hamurabi. Acesso em: 08 ago. 2020.
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