Émile
Durkheim, elaborou o conceito de “fato social” afirmando que são condutas,
valores ou pensamentos culturais que excedem o indivíduo e exercem uma força
coercitiva sob ele dentro de uma sociedade, sendo que esses fatos sociais
muitas vezes agem de forma tênue nas pessoas, e essas não percebem o controle
social que tais fatos possuem sobre elas. Pensando na organização social, os
“fatos sociais” ajudam a manter uma certa estabilidade na estrutura a qual um
grupo vive, pois uma vez que um cidadão vá de encontro às maneiras de agir ou
de pensar do coletivo, automaticamente a consciência pública irá reprimir o
ato.
É fato que,
a esfera pós-moderna a qual estamos inseridos é marcada pelo neoliberalismo, e
como uma de suas consequências tem-se a divisão dos cidadãos em classes sociais,
que são determinadas, muitas vezes, pelo poder aquisitivo a qual possuem, e
principalmente em países onde a desigualdade econômica é muito grande, as
diferenças entre as classes são nítidas, pois uma vez que o dinheiro determina
“qual grupo um indivíduo se encaixa”, ele também vai influenciar, de certa
forma, nas maneiras em que a pessoa age e pensa.
Seguindo o
marco teórico de “fato social” para o Durkheim e analisando a sociedade
neoliberal, pode-se afirmar que hoje existem fatos sociais de cada classe
social, que além de ajudarem a manter o equilíbrio de uma sociedade desigual,
fazem com que se perpetue as maneiras de pensar e agir de cada grupo, e apesar
de não determinarem de forma absoluta o indivíduo, agem de forma coercitiva
sobre ele. Por exemplo, uma pessoa que vive em uma realidade violenta, vai de
certa forma ser influenciada pelo âmbito em que vive, mais uma vez salientando
que isso não determina o comportamento dela, mas aquela realidade por fazer
parte do coletivo em que vive, vai se impor sobre ela, quer ela queira, quer
não. Assim como uma pessoa que vive em um ambiente onde o gosto musical é dado
como de “alta cultura”, por consequência, essa pessoa vai ser influenciada a
gostar desse estilo musical, mesmo que essa influência não seja perceptível. É
como se fosse uma “coerção pacífica” pois está sendo coagida de maneira
indireta a ter preferência por certas músicas devido a classe social a qual
pertence.
Durkheim
ainda escreveu em sua obra; “Da divisão do Trabalho Social” sobre dois tipos de
solidariedade presentes nas sociedades; a solidariedade mecânica e a orgânica.
Dentro das sociedades pré-modernas, encontra-se o tipo de solidariedade
mecânica a qual os crimes são essencialmente repressivos e com um caráter
punitivo, onde a pena estará conforme ao que a consciência social determina e
não de acordo com impacto do ato criminoso em si, esses tipo de punições
repressivas são normalmente encontradas em sociedades “menos complexas” como
determina Durkheim. Já a solidariedade orgânica, é comumente encontrada em
sociedades modernas ou complexas, onde os crimes têm caráter restitutivo, a
qual visa a reintegração do transgressor a sociedade e as penas são dadas a
partir do impacto social que cada uma delas possui dentro do âmbito de uma
comunidade.
A sociedade
a qual vivemos é regida pela solidariedade orgânica e o direito deve ter por
essência um caráter restitutivo, visando a harmonização das funções sociais e
reparar o contraventor a fim de integrá-lo ao corpo social orgânico. Entretanto,
o que se pode constatar na contemporaneidade é uma certa descrença a esse
direito restitutivo, uma grande parcela da população brasileira acredita que as
penas são brandas e que deveria existir mais rigorosidade em relação a elas
pois a falta de uma punição severa é o que acarreta em uma sociedade sem
segurança social. Talvez isso seja reflexo da falta de uma ação estatal efetiva
em determinados setores sociais que carecem dela mas, é inegável que existe um
sentimento extremamente reacionário que clama pela volta de um direito
punitivo, esse na verdade já é realizado em alguns lugares que sofrem com a
marginalização das políticas do Estado, a exemplo de como são resolvidos alguns
crimes dentro das periferias ou até mesmo no sertão brasileiro, a lei que rege
tais lugares é muitas vezes desproporcional ao crime praticado, sendo que por
vezes, a punição transcende o transgressor e atingi todo seu ciclo familiar.
Esse sentimento reacionário em relação ao
direito punitivo, ainda ganhou força nos últimos anos com a candidatura do
atual presidente, Jair Bolsonaro, que em sua candidatura prometeu liberar a
posse de armas de fogo com o intuito do cidadão de bem poder ser defender dos
bandidos. Essa promessa do presidente teve muitas aprovações entre os cidadãos,
e apesar de 61% dos brasileiros serem contra a posse de armas, não dá para
negar que existe uma crescente demanda para a volta de um direito punitivo, que
no caso, está se tornando presente não só no apoio a politicas punitivas como
também em atos nas mídias sociais, a exemplo da ascensão da “política do
cancelamento”, onde uma pessoa é exposta na internet por ter cometido um ato
que fere a consciência coletiva e é punida por toda a comunidade da internet,
sendo que a pessoa que está sendo “cancelada” sofre, além de uma exclusão
social, uma punição psicológica de vergonha, ou seja, é um castigo extremamente
severo que fere com a integridade psíquica do ser.
Em suma, os
fatos sociais consistem em maneiras de agir, pensar ou até sentir, que
transcendem o ser humano e possuem uma força coercitiva que se impõe ao
cidadão. Na atualidade, com a grande diferença entre as classes sociais, o
indivíduo é constantemente coagido pela classe a qual pertence, não
necessariamente irá estabelecer de forma absoluta o que será daquela pessoa,
mas na grande maioria, existe uma falha ao o indivíduo ir de encontro aos
costumes pré-estabelecidos de sua classe social. Sendo assim, hoje, pode-se
discutir os “fatos sociais” dentro de uma sociedade subdividida em classes
muito distintas entre si. Outro ponto perceptível dentro da teoria de Durkheim
na atualidade, são os conceitos de solidariedade orgânica e mecânica, pois
enquanto vivemos na primeira, existe um sentimento muito forte que clama por uma
característica essencialmente de uma sociedade mecânica; o direito punitivo,
esse já se mostrou ineficaz antes da era Moderna por criar um ciclo de
injustiças pelas penas não estarem de acordo com o ato praticado. É necessário
que as políticas estatais atinjam toda a comunidade brasileira e que os indivíduos
saibam a importância de um direito restitutivo, onde não se “cancele”, ou matem
as pessoas, mas sim as integrem de volta a sociedade.
Referências:
Maria Clara Ramos Okasaki-1ºano-Matutino
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