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sábado, 8 de agosto de 2020

Os “fatos sociais” em um país subdividido em classes e a ascensão do direito punitivo


  Émile Durkheim, elaborou o conceito de “fato social” afirmando que são condutas, valores ou pensamentos culturais que excedem o indivíduo e exercem uma força coercitiva sob ele dentro de uma sociedade, sendo que esses fatos sociais muitas vezes agem de forma tênue nas pessoas, e essas não percebem o controle social que tais fatos possuem sobre elas. Pensando na organização social, os “fatos sociais” ajudam a manter uma certa estabilidade na estrutura a qual um grupo vive, pois uma vez que um cidadão vá de encontro às maneiras de agir ou de pensar do coletivo, automaticamente a consciência pública irá reprimir o ato.
  É fato que, a esfera pós-moderna a qual estamos inseridos é marcada pelo neoliberalismo, e como uma de suas consequências tem-se a divisão dos cidadãos em classes sociais, que são determinadas, muitas vezes, pelo poder aquisitivo a qual possuem, e principalmente em países onde a desigualdade econômica é muito grande, as diferenças entre as classes são nítidas, pois uma vez que o dinheiro determina “qual grupo um indivíduo se encaixa”, ele também vai influenciar, de certa forma, nas maneiras em que a pessoa age e pensa.
  Seguindo o marco teórico de “fato social” para o Durkheim e analisando a sociedade neoliberal, pode-se afirmar que hoje existem fatos sociais de cada classe social, que além de ajudarem a manter o equilíbrio de uma sociedade desigual, fazem com que se perpetue as maneiras de pensar e agir de cada grupo, e apesar de não determinarem de forma absoluta o indivíduo, agem de forma coercitiva sobre ele. Por exemplo, uma pessoa que vive em uma realidade violenta, vai de certa forma ser influenciada pelo âmbito em que vive, mais uma vez salientando que isso não determina o comportamento dela, mas aquela realidade por fazer parte do coletivo em que vive, vai se impor sobre ela, quer ela queira, quer não. Assim como uma pessoa que vive em um ambiente onde o gosto musical é dado como de “alta cultura”, por consequência, essa pessoa vai ser influenciada a gostar desse estilo musical, mesmo que essa influência não seja perceptível. É como se fosse uma “coerção pacífica” pois está sendo coagida de maneira indireta a ter preferência por certas músicas devido a classe social a qual pertence.
  Durkheim ainda escreveu em sua obra; “Da divisão do Trabalho Social” sobre dois tipos de solidariedade presentes nas sociedades; a solidariedade mecânica e a orgânica. Dentro das sociedades pré-modernas, encontra-se o tipo de solidariedade mecânica a qual os crimes são essencialmente repressivos e com um caráter punitivo, onde a pena estará conforme ao que a consciência social determina e não de acordo com impacto do ato criminoso em si, esses tipo de punições repressivas são normalmente encontradas em sociedades “menos complexas” como determina Durkheim. Já a solidariedade orgânica, é comumente encontrada em sociedades modernas ou complexas, onde os crimes têm caráter restitutivo, a qual visa a reintegração do transgressor a sociedade e as penas são dadas a partir do impacto social que cada uma delas possui dentro do âmbito de uma comunidade.
  A sociedade a qual vivemos é regida pela solidariedade orgânica e o direito deve ter por essência um caráter restitutivo, visando a harmonização das funções sociais e reparar o contraventor a fim de integrá-lo ao corpo social orgânico. Entretanto, o que se pode constatar na contemporaneidade é uma certa descrença a esse direito restitutivo, uma grande parcela da população brasileira acredita que as penas são brandas e que deveria existir mais rigorosidade em relação a elas pois a falta de uma punição severa é o que acarreta em uma sociedade sem segurança social. Talvez isso seja reflexo da falta de uma ação estatal efetiva em determinados setores sociais que carecem dela mas, é inegável que existe um sentimento extremamente reacionário que clama pela volta de um direito punitivo, esse na verdade já é realizado em alguns lugares que sofrem com a marginalização das políticas do Estado, a exemplo de como são resolvidos alguns crimes dentro das periferias ou até mesmo no sertão brasileiro, a lei que rege tais lugares é muitas vezes desproporcional ao crime praticado, sendo que por vezes, a punição transcende o transgressor e atingi todo seu ciclo familiar.
   Esse sentimento reacionário em relação ao direito punitivo, ainda ganhou força nos últimos anos com a candidatura do atual presidente, Jair Bolsonaro, que em sua candidatura prometeu liberar a posse de armas de fogo com o intuito do cidadão de bem poder ser defender dos bandidos. Essa promessa do presidente teve muitas aprovações entre os cidadãos, e apesar de 61% dos brasileiros serem contra a posse de armas, não dá para negar que existe uma crescente demanda para a volta de um direito punitivo, que no caso, está se tornando presente não só no apoio a politicas punitivas como também em atos nas mídias sociais, a exemplo da ascensão da “política do cancelamento”, onde uma pessoa é exposta na internet por ter cometido um ato que fere a consciência coletiva e é punida por toda a comunidade da internet, sendo que a pessoa que está sendo “cancelada” sofre, além de uma exclusão social, uma punição psicológica de vergonha, ou seja, é um castigo extremamente severo que fere com a integridade psíquica do ser.
  Em suma, os fatos sociais consistem em maneiras de agir, pensar ou até sentir, que transcendem o ser humano e possuem uma força coercitiva que se impõe ao cidadão. Na atualidade, com a grande diferença entre as classes sociais, o indivíduo é constantemente coagido pela classe a qual pertence, não necessariamente irá estabelecer de forma absoluta o que será daquela pessoa, mas na grande maioria, existe uma falha ao o indivíduo ir de encontro aos costumes pré-estabelecidos de sua classe social. Sendo assim, hoje, pode-se discutir os “fatos sociais” dentro de uma sociedade subdividida em classes muito distintas entre si. Outro ponto perceptível dentro da teoria de Durkheim na atualidade, são os conceitos de solidariedade orgânica e mecânica, pois enquanto vivemos na primeira, existe um sentimento muito forte que clama por uma característica essencialmente de uma sociedade mecânica; o direito punitivo, esse já se mostrou ineficaz antes da era Moderna por criar um ciclo de injustiças pelas penas não estarem de acordo com o ato praticado. É necessário que as políticas estatais atinjam toda a comunidade brasileira e que os indivíduos saibam a importância de um direito restitutivo, onde não se “cancele”, ou matem as pessoas, mas sim as integrem de volta a sociedade.

Referências: 

Maria Clara Ramos Okasaki-1ºano-Matutino

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