O jeitinho brasileiro, motivo de orgulho dos patriotas, pode ser observado no cotidiano de forma natural, até óbvia. É claro que você precisa recorrer a ele se quer essa vaga, esse atendimento, essa oportunidade. Em uma interpretação superficial, ele não parece ser prejudicial, até porque, aparentemente, só é aplicado a situações rasas, como o costumeiro exemplo -que a maioria já vivenciou- de ver alguém furar uma fila por meio da insistência ou do carisma. Contudo, é importante buscar, assim como grandes sociólogos e historiadores já o fizeram, os efeitos disso sobre a sociedade brasileira, ou melhor, como o enraizamento do jeitinho brasileiro é resultado de um processo histórico elaborado pelas instituições que compõem o país.
Ora, o Brasil foi um dos últimos a abolir a escravidão dos africanos no território, e mesmo esse processo foi pouco representativo, uma vez que não chegou perto de considerar, de fato, que esses povos eram explorados com base em uma teoria evolucionista assentada no racismo. Hoje, usamos a miscigenação que a chegada de escravos negros no Brasil proporcionou para, novamente, amenizar o racismo no país. Argumentamos que somos um povo só, que todos temos um pouquinho de cada coisa, não somos puros… Enquanto isso, a população negra é protagonista nas taxas de vítimas de marginalização, como pobreza (resultando na falta de acesso à educação, moradia, saúde), desemprego (e subemprego), envolvimento com o crime (drogas, estupros, assassinatos), dentre outros índices que, se avaliados, remetem a um racismo que, de tão enraizado, passa despercebido -ou é deliberadamente ignorado, mantendo o jeitinho brasileiro de solucionar as injustiças.
De fato, se analisarmos a grande maioria dos impasses sociais, políticos e econômicos no Brasil, percebemos que, em última instância, eles afetam, em maior proporção, a população negra. É só usar a descriminalização do aborto como exemplo: trata-se, em essência, de um problema que interfere especificamente na saúde da mulher; ou seja, ele pode ser visto sob uma ótica de saúde ou de desigualdade de gênero. No entanto, ao pesquisar e compilar dados, nota-se que eles também está intimamente ligado ao racismo; as mulheres que têm o direito reprodutivo negado e transferido a terceiros são as de periferia, que não têm condições econômicas para garantir um aborto seguro. Sabemos, também, que a população da periferia é majoritariamente negra, ou seja, são as mulheres negras as mais prejudicadas pela criminalização do aborto. A partir de um exemplo, podemos aplicar essa mesma análise a diversos outros já mencionados, que ajudam a perceber o racismo institucional presente no país.
Essa interpretação sobre a cultura brasileira e sua contribuição para o racismo está longe de ser uma justificativa para que ele aconteça; é preciso entender que a microestrutura que reproduzimos no dia-a-dia quando recorremos a uma troca de favores, a um jeitinho de resolver as coisas, se manifesta também na macroestrutura, principalmente dentre os que detém privilégio. Quem é vítima de racismo no Brasil não chega a desfrutar do famoso jeitinho brasileiro, porque encontra-se em um patamar isolado, onde nem mesmo receber um favor é uma realidade, ou, se sim, o favor não é suficiente para estabelecer algum tipo de vínculo ou benefício individual. A segregação racial continua crescendo enquanto evitamos encarar a estrutura que está por trás das instituições desde a abolição da escravidão.
Ana Clara Alves Gasparotto - 1º semestre Direito Matutino
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