Brasil, 7 de setembro de 2021.
Arthur e Damares acordaram cedo, tomaram seu café da manhã, vestiram sua camisa verde amarela, pegaram sua bandeira e partiram em direção à Avenida Paulista. Para quê? Ora, pois chegou o momento de apoiar o “mito”, de mostrar a esses esquerdistas que “a nossa bandeira jamais será vermelha”. Afinal, as coisas estão ótimas do jeito que estão e se há algo de errado, com certeza não é por culpa do presidente, mas sim dos comunistas.
Chegando aos arredores do Museu de Artes Plásticas, se deparam com um morador de rua, encolhido e aparentemente dormindo.
- Olha aí, mais um preguiçoso - diz Arthur.
Damares responde:
- Ao invés de dormir, ele deveria estar procurando um emprego. É por isso que o Brasil não vai para frente.
- Concordo! Se pessoas como ele trabalhassem, facilmente seriam como nós e teriam uma casa própria, ao invés de ficar dormindo na rua.
- Exatamente! Por sinal, aposto que ele escolheu essa situação. Não precisa pagar imposto e além de tudo recebe esmola o tempo todo. Quer vida melhor que essa?
Enquanto isso, do outro lado da cidade, em Paraisópolis, José também acordou cedo. Precisou passar na casa de um colega que havia impresso de graça alguns currículos para ele entregar. Apesar de ser feriado, pensou que não custava nada tentar entregar, já que conseguir um emprego está cada vez mais difícil.
Seu último emprego não era tão ruim, mas ele o perdeu ano passado ao pegar COVID e precisar se afastar por mais tempo do que o patrão queria lhe dar. Ainda sim José se mantinha forte. Em 202o ele também perdeu o pai e a irmã para essa doença e sua mãe, para não ficar sozinha, passou a morar com ele, a esposa e os filhos. Era por isso - e também pelo preço do gás a R$ 100 e do arroz a R$ 20 - que precisava de um emprego.
Após andar uma hora de ônibus, ele chegou aos arredores da Avenida Paulista. Se assustou com um grupo de pessoas vestidas de camisas verdes e amarelas, mas manteve a cabeça baixa, evitando chamar a atenção, afinal, quando se tem confusão, é o homem negro o primeiro a ser enquadrado.
De maneira discreta, José entrou dentro de uma livraria. Um fato curioso é que apesar de não ter terminado o ensino médio, ele sempre foi apaixonado por livros, e trabalhar em uma livraria seria o mais próximo que ele chegaria de ter um contato direto com a leitura . Dentro da loja, ele entregou um seu currículo, se candidatando a uma vaga de auxiliar de limpeza.
Ao se encaminhar para a saída, ele se depara com um livro que lhe chama a atenção: “A ralé brasileira: quem é e como vive.” Ele começa a folhear a obra, mas é abruptamente interrompido por um casal (o mesmo do começo de nossa história - Arthur e Damares) vestido de verde e amarelo, que começa a ofendê-lo:
- O que você está fazendo com esse livro? Vai roubar?
- Não senhor, sou um homem honesto, estava apenas olhando.
- Você acha que me engana? Saia daqui antes que eu chame o gerente, ou pior, a polícia.
José então se apressa para sair o mais rápido possível da livraria, mas não antes de escutar Arthur dizer a Damares:
- Essa gente é a ralé da sociedade brasileira. E ainda se acha no direito de ler um livro! Quanta ousadia!
Foi nesse momento que José entendeu. No Brasil, ele e sua família são a ralé. São eles os condenados a viver na infelicidade, a serem humilhados, a ficaram doentes e morrem. São eles também os vistos como preguiçosos, como os que não trabalham porque não querem e que não merecem o acesso à educação, quem dirá a cultura.
Essa é a ralé brasileira e esse é o Brasil de Bolsonaro. Um país que prioriza armas ao invés de comida. Que chama de gripezinha uma doença que já matou 584 mil brasileiros. E que chama de preguiçosos aqueles que se matam de trabalhar. Mas apesar disso, está tudo bem, afinal - segundo eles - “o trabalho fortifica o homem” e a ordem não está ameaçada.
Ana Beatriz da Silva - 1º Ano de Direito - Diurno
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