Atualmente no Brasil, é motivo de orgulho pessoal, principalmente entre os homens, o ato de trabalhar, especialmente caso seja em algo que envolva esforço físico considerável, mesmo com o ofício apresentando uma jornada de trabalho extensiva. Paradoxalmente, no entanto, há disseminado na sociedade brasileira o "jeitinho brasileiro", que é a tentativa de se obter vantagem por meios muitas vezes ilícitos, como propina ou uma infração pequena das leis. A compreensão dessa dicotomia é um passo de suma importância para que haja um entendimento do Brasil contemporâneo.
É comum a rotulação de "preguiçoso" e "vagabundo" para aqueles que não trabalham, ou ao menos não tão arduamente quanto se é esperado, visto que atualmente a noção do trabalho enobrecer o homem é muito difundida na sociedade brasileira, com os que não ajam conforme essa lógica sendo considerados como inferiores aos que a seguem. Essa cultura do trabalho como um meio do ser humano tornar-se mais virtuosos não surgiu espontaneamente no Brasil, sendo ela um conceito recente popularizado durante a Era Vargas, em que o então governante do país, Getúlio Vargas, através dos meios de comunicação disseminou tal noção burguesa à população, juntamente com a ideia de que não é o trabalho em si que engrandece o indivíduo, mas sim o trabalho regrado realizado por um trabalhador disciplinado. Essa difusão ocorrida no governo Vargas não foi meramente por preferência pessoal do presidente, ela servia a agenda de industrializar o Brasil e os interesses burgueses, incentivando a população a trabalhar mais arduamente, mesmo que sem maior recompensa material, somente o subjetivo "enobrecimento" como prêmio pelo maior esforço e enaltecendo a classe proprietária dos meios de produção, visto que suas riquezas materiais foram fruto de esforço pessoal, logo por tal lógica eles supostamente seriam "nobres de espírito".
Curiosamente, durante o século XIX a visão social em relação ao trabalho era o contrário da atual, com aquele que trabalhasse, principalmente em ofício braçal, era julgado como pobre e inferior àquele que tinha o dia inteiro ocioso por não precisar trabalhar para manter seu padrão luxuoso de vida. Da mesma forma que o supracitado "enobrecimento" por meio do trabalho serve um propósito social, o enaltecimento do ócio nesse período servia para engrandecer os descendentes de europeus, que por terem pele mais clara que a maioria da população brasileira, tinham mais prestígio social, visto que pele bronzeada era visto como sinal de trabalho e pobreza durante essa época racista da história do Brasil. A obras de Machado de Assis como "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Quincas Borba" retratam o posicionamento da sociedade brasileira a respeito dessa visão sobre o trabalho durante tal período, ilustrando o quão mercurial são os valores sociais, quando se compara a visões tão distintas a respeito do mesmo assunto, o trabalho, no mesmo país em anos diferentes.
Apesar do nome, o "jeitinho brasileiro" não é exclusividade brasileira, como demonstrado pelo pesquisador Dan Ariely em seu livro "A Mais Pura Verdade Sobre a Desonestidade", onde revela que os testes realizados para medir o grau de honestidade de diferentes apresentavam resultados semelhantes, levando o autor a refletir que a propensão à desonestidade é a mesma entre as pessoas. Entretanto, mesmo com essa mesma inclinação entre indivíduos, é inegável as diferenças legais e culturais entre os diferentes países no mundo incentivam em diferentes medidas a trapaça. No caso brasileiro, o desejo de levar vantagem pode ter sua presença cultural explicada pelo ao comportamento de figuras brasileiras de destaque, como o jogador de futebol Gérson de Oliveira Nunes que, em propaganda dos cigarros Vila Rica gravada em 1976, incentivou tal anseio, assim como os casos de corrupção na política também criam precedentes para esse comportamento. No entanto é necessário ressaltar que a permanência desse hábito é devido ao fato de que ele apresenta uma finalidade que beneficia imediatamente o indivíduo que a perpetua, caso contrário não seria difundida na escala que é atualmente.
É importante ressaltar que, mesmo amplamente difundidos, nenhum dos valores supracitados é universalmente replicado no Brasil, pois não é possível um padrão de comportamento ser absoluto, tornando a compreensão da sociedade brasileira impossível ser explicada simplesmente pelo ângulo da cultura de enaltecimento do trabalho ou pelo "jeitinho brasileiro", pois é, assim como todas as outras sociedades, um complexo organismo que possui diferentes morais e valores coexistindo, com cada indivíduo decidindo por conta própria qual desses conflitantes ideais seguir. Em suma, como dito pelo compositor Tom Jobim, "O Brasil não é para principiantes".
Rafael Nascimento Feitosa, 1° semestre de Direito
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