Nos Estados Unidos, uma tecnologia muito utilizada nos
tribunais para o julgamento dos casos são os algoritmos. A proposta dessa
técnica é utilizar dados e fazer cálculos para dar sentenças mais adequadas aos
réus e, com isso, dinamizar o sistema de justiça, tirando a carga dos juízes.
Porém, o que realmente acontece é que esses sistemas cometem o mesmo erro dos
humanos: as penas para pessoas negras são, em sua maioria, muito mais rígidas
que as penas dadas a pessoas brancas. O algoritmo tornou-se racista porque foi
alimentado com dados de uma sociedade preconceituosa. A inovação tecnológica,
que devia representar o avanço, carrega um atraso e um anacronismo porque quem
a fez poderia até ser um bom matemático, mas era um péssimo cientista social.
Se esse programador tivesse estudado a metodologia que
Descartes criou em sua obra Discurso do método, ele saberia que, antes de
inserir os dados no sistema, deveria livrar-se de todos os seus costumes de sua
sociedade (que é racista) a fim de fazer uso adequado de sua razão. Em seguida,
ele teria de duvidar, ou seja, fazer perguntas inteligentes, como “por que a
população negra é mais encarcerada que a branca? ”. Uma hipótese poderia ser
que a polícia tende a revistar essas pessoas muito mais, ou que a justiça
estadunidense privilegia um tipo de cidadão. A partir dessas repostas, essa
pessoa iria chegar à conclusão de que a sociedade é racista, portanto, os dados
precisariam ser analisados antes de serem incluídos no sistema da máquina, para
que os avanços conquistados ficassem firmados em bases sólidas e não em terrenos
sem firmeza.
Se o programador preferisse outra perspectiva, ele poderia
valer-se do método que Bacon criou na obra Novum Organum. O primeiro passo
seria reunir informações particulares da sociedade, como, por exemplo, que pessoas
negras, mesmo qualificadas, são menos contratadas que pessoas brancas e que as
mulheres negras têm maiores índices de mortalidade no parto porque os médicos
as tratam com mais desleixo. A partir dessas descobertas e a análise da relação
entre elas, iria emergir a generalização de que a sociedade é racista, e, por
consequência, seu sistema de justiça é também. Alguns obstáculos, porém,
poderiam aparecer no caminho dessa investigação e Bacon chamou-os de ídolos. Existem
quatro tipos de ídolos, porém, usarei de exemplo o da caverna. Esse ídolo é
particular de cada ser humano e está relacionado com o hábito que temos de nos
ilharmos em nossas vivências e perspectivas e nos esquecermos do resto do
mundo. Um exemplo claro é a pessoa branca privilegiada que, por não viver a
realidade do racismo, acaba negando a sua existência. Isso é, inclusive, uma
falta de empatia, que infelizmente está muito presente na sociedade
capitalista.
Portanto, com o uso de ambos os métodos (que, a propósito,
existem desde o século XIX), a conclusão da análise é a mesma: o racismo é
estrutural na sociedade e continua sendo perpetuado por diversas instituições,
como a polícia e os tribunais. Se, no caso do exemplo citado, esse programador
tivesse dado alguma atenção para a questão social e feito uma dessas pesquisas,
os efeitos do racismo no sistema penal estadunidense teriam sido atenuados, e
não perpetuados, modificando a situação injusta vigente até o momento, o que, afinal, é o objetivo da ciência.
Sofia Foresti Pequeno, Direito noturno
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