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terça-feira, 26 de março de 2019

A experiência do preconceito e o preconceito da experiência.

A questão racial no nosso país é assaz polêmica. Por um lado, há quem defenda ser o brasileiro povo livre de preconceitos, tolerante com diferenças, acolhedor e exemplo no quesito convivência pacífica entre diversas etnias. De outro, parcela significativa de pensadores apregoando haver dissimulada e nefasta discriminação por conta de origens étnicas. A percepção de racismo é decorrente, dentre outras questões, da observação empírica da sociedade brasileira, na qual existem historicamente claras diferenças sócio-econômicas entre grupos de origem caucasiana e aqueles não-caucasianos. As bases para tais diferenças sociais remontam ao passado colonial e ao período escravagista.

Em que pese a profunda miscigenação da população brasileira, sendo a maioria da população composta por indivíduos descendentes, cada um, de vários grupos étnicos, ainda são os brasileiros classificados, grosso modo, em brancos, negros e pardos, ainda que, frequentemente, a cor real da pele de todos os grupos se sobreponha. Pessoas classificadas como "brancas" são muitas vezes mais "pardas" do que algumas classificadas como "negras". O que dá a noção do quão insensata é a classificação do brasileiro com base na cor da pele. No entanto tal classificação é arraigada na cultura nacional. Desde a declaração de nascimento, que contém campo "cútis" - definida ao nascimento, por critérios pouco científicos -, até políticas de cotas com base em cor de pele, que utilizam critérios subjetivos para classificar a origem étnica de cada um, classificação esta praticamente impossível considerando a alta miscigenação da população brasileira.

No entanto, a noção de pertencimento a uma ou outra etnia vem crescendo, assim como a percepção da discriminação racial. Essa percepção decorre da observação dos fatos cotidianos, sendo que pessoas autodeclaradas negras ou pardas tendem a pertencer a estratos econômicos menos favorecidos. Soma-se a isso a maior proporção de negros e pardos dentre cidadãos alvos de operações policiais.

Nesse contexto, a análise dos quadrinhos é muito ilustrativa. No primeiro, a simples presença policial leva a comportamentos diferentes entre a criança supostamente branca e aquela supostamente parda, lembrando que não há como afirmar a origem étnica de cada uma com base na cor da pele. Enquanto a criança branca não vê como ameaça a presença policial, a criança parda, com base na observação de sua realidade, faz conclusões empíricas a partir de um pensamento circunscrito à sua "caverna", conforme definido por Bacon, definindo preconceituosamente que o policial é uma ameaça, por sua simples presença, levando a privar-se de brincar para não parecer suspeita, pois entende que o policial achará suspeito ver um pardo ou negro correndo.

Já no segundo quadrinho, quando as crianças são questionadas sobre a nota fiscal da bicicleta, o menino pardo automaticamente a apresenta, pois entende que deve sempre provar ser inocente (contrariando preceitos fundamentais de presunção de inocência), sendo esta atitude moldada através de sua percepção da realidade. Enquanto isso, o menino branco, seguindo um pensamento científico questionador conforme descrito por Descartes, põe em dúvida a necessidade de portar uma nota fiscal, visto não ter em sua experiência de vida elementos que o façam aceitar a informação da necessidade de nota como verdade absoluta.

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