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terça-feira, 26 de março de 2019

A persistência do racismo a partir de uma sociedade que não vê o negro como igualmente detentor de direitos


"Os ídolos do foro são de todos os mais perturbadores: insinuam-se no intelecto graças ao pacto de palavras e de nomes. Os homens, com efeito, crêem que a sua razão governa as palavras". - Novum Organum, 1620.

"Foi o blindado, mãe. Ele não me viu com a roupa de escola?". - EL PAÍS, 2018


    A estruturação do racismo e do papel que cabe ao negro na sociedade parte, em diversos aspectos, de um processo muito similar à criação dos Ídolos do Foro presentes na literatura baconiana. Mais que a reflexão do que teria feito um funcionário do Estado assassinar uma criança uniformizada em uma operação no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, deve-se também questionar o porquê existe uma conformação, por parte da sociedade, de que esse tipo de violação de direitos é comum à população negra.
   Primeiramente, é imprescindível resgatar os papéis em que esteve inserido o negro na formação do Brasil Republicano. Após 1888, com a publicação da Lei Áurea, milhares de seres humanos que haviam sido escravizados por anos foram libertos. Sem nenhum tipo de política de assistência ou de inserção nas estruturas sociais, esses antigos escravos e, por conseguinte, seus descendentes, encontraram-se em situação de miséria, empurrados para as periferias dos centros urbanos. Instaura-se, a partir daí, uma dualidade não oficializada na garantia de direitos e aplicação da legislação, uma específica para brancos e outra para negros, mesmo com constituições que visavam a suposta igualdade entre todos os cidadãos.
   Considerando aspectos como a repressão policial e a associação da imagem do negro à criminalidade, pode-se racionalizar o racismo ao método cartesiano e compreendê-lo como uma construção histórico-social. Lê-se com frequência nos jornais, por exemplo, noticias sobre roubos. Nos casos em que os criminosos são brancos, encontra-se na manchete palavras como "adolescentes", "jovens" e, em alguns mais pretensiosos, o acompanhamento da classe social, como "média alta" e "alta". Em contrapartida, quando se trata de criminosos negros, as manchetes apontam para expressões como "bandidos" e "ladrões", como se esse tipo de conduta já fosse esperada e estivesse normalizada entre as pessoas negras. Este tipo de retratação, sempre como uma pessoa constantemente perigosa ou culpada, proveniente dessa "experiência" construída pelo racismo, é observada nas tirinhas de Alexandre Beck, nas quais uma das crianças, negra, precisa ponderar cada uma de suas ações e estar sempre atenta aos casos de abuso, sobretudo àqueles advindos de autoridades do próprio Estado (a exemplo da figura do policial).
   No final desse processo se obtém uma racionalização do racismo, isto é, a partir da suposta experiência de que os negros são criminosos e estão acomodados com suas posições de subalternidade na sociedade, se estabelece um pensamento de conformidade com a situação, uma vez que, partindo dessa mesma razão, estes estariam submetidos a um outro tipo de tratamento civil e jurídico, o que justificaria os assassinatos de crianças negras nas periferias, os abusos policiais, o estranhamento ao ver negros em cargos de poder e demais situações que evidenciam o racismo no Brasil contemporâneo, ou seja, a não consideração dessa parcela da população como detentora dos mesmos tipos de direitos que os demais cidadãos.

Luiz Carlos Ribeiro Júnior - Direito noturno

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