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quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

A simbologia por trás da lei


Tratando-se de relações conflituosas no plano social, temos um exemplo prático: o caso da ADPF 54, que tornou inconstitucional a criminalização do aborto de anencéfalos. É evidente  a divergência entre uma visão que provém da religião e uma visão que busca assegurar direitos da mulher sobre o feto. Sobre o campo jurídico, o sociólogo Bordieu critica o formalismo no Direito, que o trata como uma força autônoma. Para o ele, a tal independência desse meio não passa de uma visão ilusória, porque o ordenamento jurídico expressa o estado das relações existentes na sociedade. O próprio veredito representaria a luta simbólica no campo e no caso da ADPF, as divergências presentes no social  influenciam diretamente o meio jurídico, bem como as decisões nele tomadas.
Seguindo essas ideias, o Direito é racional e essa racionalização pode ser expressa por duas atitudes diferentes: neutralização, isto é, a postura mais passiva e impessoal diante dos conflitos ou a universalização; o enunciado de normas por parte dos agentes do contexto. Ou seja, é impossível uma racionalidade pura e isso é notável diante do caso apresentado. Ao analisarmos os votos dos ministros, Ricardo Lewandowski, por exemplo, demonstra uma postura que pode ser considerada mais próxima da neutralização: ele votou contra a descriminalização sob a justificativa de que essa questão deveria ser decidida pelo Congresso, porque este seria o órgão que representa vontade popular. Já Gilmar Mendes, que votou a favor, apresentou um discurso que se aproxima da concepção de universalização ao se justificar afirmando que não seria justo atribuir à mulher um ônus como esse, na falta de um quadro legal.
Ainda sobre as concepções de Bordieu, tão importante quanto identificar as classes conflituosas seria notar a influência da estrutura dos sistemas simbólicos no campo. Esses sistemas delimitam uma linguagem específica, sendo que para alguém se inserir nesse meio, é comum que se amolde a uma hierarquia presente no campo, abrindo mão do “habitus”, isto é, valores e convicções que acumulamos desde nossa infância. É uma crítica de Bordieu ao instrumentalismo, que vê o Direito como instrumento usado em favor das classes dominantes e ignora essa estrutura simbólica.
Em geral, é comum afirmarmos que o sistema judiciário é conservador e isso poderia ser comprovado justamente pelo fato de os ministros terem que se adaptar a esse meio para que suas ideias possam ser validadas. Entretanto, é inevitável dizer que, muitas vezes, como no caso citado, ocorre uma quebra desse paradigma e há a possibilidade de os agentes do judiciário agirem de acordo com seus ideais. Em todo caso, o Direito é dotado de uma autonomia relativa; isto é, estamos presos a ele e quanto maior for a relevância das questões levadas ao judiciário, mais fácil é que as expectativas do povo sejam atendidas. De fato, como foi proferido pelo Ministro Cezar Peluso, " [...] este é, a seu, mas também a meu juízo, o mais importante julgamento na história desta Corte [...]. Assim, devido à relevância do caso, a decisão do caso da ADPF funcionou como um atendimento aos desejos de certa parta da população, mesmo que em detrimento de um padrão, tido como conservador, do judiciário. 

 Anna Beatriz V. Scachetti- 1º ano direito- diurno


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