Ao
analisar o pensamento de Pierre Bourdieu à luz do julgado da descriminalização
do abordo, no caso de anencéfalos, percebe-se claramente a permeabilidade
existente no Direito, como defende Bourdieu. O Direito segundo ele é um campo que
apresenta uma autonomia relativa, indo contra a ideia kelseniana de uma
autonomia absoluta do Direito, e à ideia de uma autopoiéses, mas também criticando a
ideia de formalismo no campo jurídico, que é o seu isolamento frente às pressões
sociais. A ideia marxista que ignora a existência dos sistemas simbólicos, como
a forma específica do discurso jurídico e a própria linguagem retirada das estruturas
do Direito, as quais, nos dias atuais, se fazem excludentes de camadas que
estão extremamente distantes desse campo e seu habitus.
Visto
que Direito é ciência, mas também moral percebe-se que os valores subjetivos de
cada juiz na votação do julgado em particular teve grande importância. Ainda
que o ethos compartilhado e a própria hierarquia do campo iniba grandes divergências,
fica claro que a posição defendida nesse caso é um avanço em relação ao
pensamento defendido pela sociedade em geral.
Embora
o direito se diga racional, como demonstrado por suas expressões de
racionalização que dão o cunho legítimo ao que se refere ao campo, pode-se
vislumbrar que, em muitos casos, a universalização, em sua certeza, e a
neutralização que contraria o uso do direito exclusivamente pelas classes
dominantes, não se efetivam plenamente. Nesse caso, pode-se verificar que houve
um avanço no sentido de que o direito tutelasse de forma mais equitativa as
demandas que afetam, em muito, classes que sofrem com a omissão do Estado a
suas demandas.
A
luta simbólica no campo jurídico, na interpretação dos doutrinadores, com seu
aporte teórico, e dos operadores, como os magistrados, os quais através da
pratica também colaboram com a construção jurídica pode ser vista nesse caso,
no qual a participação do judiciário nesse caso foi ativa. A superação do
formalismo, pela inclusão de questões sociais, e do instrumentalismo, pelo
direito se afastar do caráter de opressão, além da aproximação ao universal
traduzem um avanço social. O veredicto, portanto, o produto dessa luta, se
vincula mais ao caráter de moral do direito do que ao científico, sendo
elemento constitutivo a interpretação, aspecto subjetivo.
Em
um liame com a ideia de Boaventura de Souza Santos, que remete ao uso do
Direito como instrumento de emancipação social, o caso representa um avanço,
ainda que não completo no sentido de garantir a decisão da mulher no que concerne
seu corpo, garantindo que o pertencimento deste é da própria mulher e não dos
ditames da sociedade. Além disso, Weber, em sua ideia de vinculação dos Direito
aos interesses de classe e de ampliação da forma estabelecida a partir de sua
contestação para que esta também abarque os interesses daqueles que eram
limitados por ela, se faz muito presente nesse caso a forma que criminaliza
totalmente o aborto apresenta uma ampliação, ainda que restrita a certos casos.
Vívian Gutierrez Tamaki - 1º ano de Direito diurno
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