Reavivando a
questão acerca da descriminalização do aborto, evidenciando que aqui se discute
apenas as exceções, como em casos de: risco de vida para a mãe, anencefalia e
gravidez decorrente de estupro, nota-se intensa polêmica e o crescente debate
dentro da sociedade brasileira. Mesmo sendo
uma prática amplamente aceita nos países mais desenvolvidos, ainda é muito
contestada e repudiada dentro dos estratos sociais brasileiros. O autor Pierre
Bourdieu, em sua obra, aborda inúmeros conceitos pertinentes à luta que
várias mulheres enfrentam no campo jurídico para fazer valer o direito de
decidir o que fazer ou não sob seu próprio corpo.
É perceptível que
a intensa racionalização somada a universalização do Direito dá total
legalidade para que juízes utilizarem à lei a seu bem querer, sem considerar as peculiaridades
que variam caso a caso. Justamente tal manipulação do aparato jurídico que faz
o aborto estar no mesmo espectro de um assassinato, pois, como é
esperado do senso comum, não se investiga além da superfície, sendo o discurso
do magistrado o embasamento mais sólido a se reproduzir. Como declarar
assassinato a interrupção do desenvolvimento de algo que até hoje não se tem o
consenso de ser provido de vida? Como dar garantias legais a esse estágio
inicial da gestação, considerando que ali existe vida humana sem o aval de
outros campos mais especializados no assunto, como por exemplo, a medicina, a
filosofia, a ética?
Pelo contrário
esses dois últimos argumentos são amplamente utilizados sob a perspectiva que
os mescla com a religião, colocando a questão sob uma forma enviesada de
análise e consequentemente, trazendo a misoginia para a discussão. A Ética é
apontada quando as esferas jurídicas ressaltam que o aborto consiste em “acabar
com uma vida que nem se constituiu” ou que “a vida existe desde a concepção porque
até mesmo uma só célula é uma vida”. No entanto, não se discute questões Éticas
quando o Direito é posto frente a frente com a imensa população de crianças em
situação de rua, com cerca de 5,5 milhões de crianças que não tem a paternidade
reconhecida, sob o sofrimento de uma mãe que passa pela Depressão Pós-Parto por
ter sido obrigada a levar adiante uma gravidez indesejada ou até mesmo com o
fato do aborto clandestino ser a quinta maior causa da mortalidade feminina.
As ambiguidades
apresentadas, não só expõe tamanha desigualdade nos julgamentos como faz
lembrar que essa divergência é mais um, clássico, exemplo da segregação sexual e
reforço do patriarcado na sociedade atual. Uma vez que se busca que a classe
feminina continue sob domínio da classe masculina, com base no binarismo
compulsório promovido pela sociedade. Desde o nascimento é pregado a
mulher que o seu corpo não lhe pertence e com isso justifica-se o fato do
aborto até hoje não ser aceito no Brasil. O direito ao aborto é algo que
pertence a decisão da mulher sobre seu próprio corpo e o patriarcado não admite
tal empoderamento.
O Direito deveria
servir para garantir as necessidades reais da população, e não servir aos
interesses ditados pela classe dominante. O Direito deveria se integrar com
outros campos, consultando outros especialistas para embasar sua decisão e não
apenas aplicar as leis já estabelecidas como universais por determinada elite.
O Direito não deveria reproduzir determinada ordem social, estabelecendo-a como
exemplar, ele precisa se esforçar para aplicar suas leis sobre as diversas
perspectivas existentes, procurando alcançar até mesmo a mulher da periferia,
semianalfabeta e com o mínimo acesso a informação, que não deve ser obrigada a
assumir a responsabilidade de carregar, para o resto da vida, uma consequência que
resultou de um acidente.
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