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quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Legalidade do Aborto: uma discussão acerca da autonomia relativa do Direito



Para Pierre Bourdieu, o Direito não é um sistema autopoiético como propunha Luhmann, visto que a dinâmica social pauta, significativamente, o campo jurídico. O referido autor também rejeita a proposição kelseniana de autonomia irrestrita da ciência jurídica e também a dos estruturalistas marxistas que consideram o Direito como resultado das relações exploratórias de produção, portanto, um mero instrumento de dominação burguesa.
Uma análise sociológica das discussões jurídicas acerca da interrupção intencional da gravidez ratifica tais concepções de Bourdieu. Ora, caso fossem relevantes apenas os aspectos econômicos, as relações de produção, não haveria controvérsia quanto à legalidade do aborto, pois este seria encarado como mais uma possibilidade de negócio. Ademais, é inegável que pressões de movimentos sociais, especialmente o feminista e o dos profissionais de saúde, influenciam a dinâmica das decisões judiciais relativas ao tema em comento. A problematização do aborto como uma questão de saúde pública, que exige respaldo jurídico aos profissionais de saúde para poderem atuar com respeito à individualidade da gestante, primando pela saúde física, psicológica e social dela, tem impactado a atividade dos operadores do Direito e isto é mais evidente nos posicionamentos do STF - Supremo Tribunal Federal, o qual descriminalizou a cessação da gestação de fetos anencéfalos; considerou, mesmo que em caráter não vinculante, o aborto realizado até o terceiro mês de gravidez como prática não criminosa; deverá decidir, em plenário, sobre a possibilidade da interrupção da gravidez para mulheres que contraíram o Zika Vírus, infecção esta que pode causar microcefalia nos bebês e, consequentemente, comprometimento no desenvolvimento deles.
Convém ressaltar, por fim, que os acórdãos do STF, envolvendo a legalidade do aborto, remetem-se à liberdade sexual e reprodutiva da mulher, que são enfeixadas pelo princípio da dignidade humana e da autodeterminação dos indivíduos, em perfeita harmonia com o rol de direitos fundamentais da Constituição de 1988. Logo, pode-se afirmar que, apesar de responder à dinâmica pulsante da sociedade, o Judiciário não opera à margem do formalismo legal, o que confere legitimidade a sua autonomia relativa, de acordo com a concepção sociológica de Bourdieu no tocante ao Direito.

Marcos Paulo Freire
Direito - Noturno

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