O direito, como tudo relativo ao homem, não pôde ficar de
fora do processo de racionalização. Fala-se em suas várias abordagens, como termo
plurívoco, mas a abordagem do direito como ciência parece a mais importante nos
dias atuais. Apenas parece. Em que pese
a cientificização, é impossível dissociar o direito das humanidades e dos
valores, bem como dos juízos de valor, do moralismo e da religião. Apesar do
movimento racionalista, é inegável que a sociedade conserva traços medievais em
determinadas situações.
A aplicação dessa ciência, no entanto, observa o rigor dos códigos.
O sistema jurídico é uma matemática no sentido de que burocratiza ao máximo,
com o intuito de ser imparcial e eficiente. No direito processual estão as
regras de ação do Judiciário, que devem ser seguidas com todo o rigor típico das
normas, sejam justas ou não. O direito penal segue princípios que o desvinculam
totalmente das valorações, pregando a interpretação restritiva da letra da lei,
como modo de coibir arbitrariedades e desigualdades.
Ocorre muitas vezes dessa operacionalização do direito
ocultar o valor supremo da justiça, momento em que entra a indagação sobre o
que é menos prejudicial, a justiça realizada pela metade (mal realizada) ou
nenhuma justiça realizada, em seu lugar. Para o Estado, a princípio, parece que
a primeira opção é a mais correta, pois uma de suas funções é a garantia da justiça
e o não cumprimento o desqualifica.
Pode-se contra-argumentar que o conceito de justiça pela
metade não existe, pois coincide com o conceito de injustiça, que a justiça
deve ser plena. Trata-se, porém, de uma abstração utópica, que deve ser
almejada por todos os operadores do direito, sim, mas que é impossível de ser
plenamente lograda. Em várias situações, quando a justiça é mal aplicada, é
preferível que se deixasse tudo como estava antes, pois é inadmissível criar
uma situação injustiça para solucionar outra. Em outros casos, no entanto, o
fato de ser impossível lograr a justiça plena, obriga a aplicação da lei e sua
interpretação de modo a buscar a solução mais justa, mesmo que não totalmente
justa.
Infelizmente, não há modo humano de aplicar uma conceituação
abstrata perfeita aos conflitos sociais através do sistema jurídico, pois este é
oriundo do homem e, portanto, também imperfeito. É possível (e necessário),
entretanto, melhorar o sistema judiciário para que seja mais justo, para que se
guie pela justiça, consciente de que é utópico lográ-la, mas cego nessa utopia,
fiel a sua teleologia.
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