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segunda-feira, 7 de novembro de 2022

                         ADO 26 uma conquista histórica, mas a luta continua.

 

 

A comunidade LGBTQI+ historicamente tem lutado para defender a igualdade e respeito à diversidade na escolha da sexualidade. Segundo a Agência Brasil, em 2021 houve 316 mortes violentas de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexo, um aumento de 33% em relação ao ano anterior. Estamos falando aqui de mortes violentas, no entanto as pessoas desse grupo, têm sido vítimas de assédio, desrespeito, violência física e verbal cotidianamente, apesar de já haver um entendimento do STF que criminaliza a homotransfobia.

Em 13 e junho de 2019, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26/DF houve o julgamento que equiparou a homotransfobia ao racismo, conforme a Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989. Essa interpretação da lei está dentro do que Bourdieu denomina de “espaço dos possíveis”, como podemos ver no trecho: “(...) no texto jurídico estão em jogo lutas, pois a leitura é uma maneira de apropriação da força simbólica que nele se encontra em estado potencial.” (BOURDIEU, 1989, p. 213). Pois dessa forma, a hermenêutica permitiu que os ministros do STF por meio de uma nova interpretação da lei a Lei nº 7.716/1989 para garantir os direitos fundamentais das pessoas que o movimento LGBTI+ abrange.

Bourdieu (1989, p. 215) fala também sobre Manifestações da universalização/neutralização na evocação do direito pretendido, contestado ou reconhecido. Algo que pode ser observado nos seguintes trechos da decisão do acordão da ADO 26:

 

GÊNERO – Os integrantes do grupo LGBTI+, como qualquer outra pessoa, nascem iguais em dignidade e direitos e possuem igual capacidade de autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais em matéria afetiva e amorosa, especialmente no que concerne à sua vivência homoerótica. (BRASIL, 2019, p. 5).

Ninguém, sob a égide de uma ordem democrática justa, pode ser privado de seus direitos (entre os quais o direito à busca da felicidade e o direito à igualdade de tratamento que a Constituição e as leis da República dispensam às pessoas em geral) ou sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero! (BRASIL, 2019, p. 5).

 

Segundo Bourdieu o juiz opera a historicização da norma, “adaptando as fontes a circunstâncias novas, descobrindo nelas possibilidade inéditas (...)” (BOURDIEU, 1989, p. 223), graças à essa forma em que os magistrados têm de também de participarem das respostas das novas demandas da sociedade,  foi possível que na ADO 26 o seguinte entendimento:

 

 

Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5o da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social , ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei no 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica , por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2o, I, “in fine”). (BRASIL, 2019, p. 5).

 

Ou seja, na ausência de uma legislação específica orquestrada pelo poder legislativo, o poder judiciário tem o dever de extrair uma interpretação constitucional para garantir direitos fundamentais do grupo LGBTI+. Não se tratando de um ativismo judicial, e sim de garantir constitucionalmente os direitos fundamentais de uma minoria negligenciada pelas legislações até então. O que vemos é denominado por Antoine Garapon de “Magistratura do Sujeito” como podemos ver no excerto abaixo:

“Chama-se a justiça no intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno. Para responder de forma inteligente a esse chamado, ela deve desempenhar uma nova fruição, forjada ao longo deste século, a qual poderíamos qualificar de magistratura do sujeito” (GARABPON, 1999, p. 139)

 

Nesse sentido, vemos a tutela dos sujeitos de direito pelos magistrados, a qual torna-se de suma importância e não podendo ser confundida com paternalismo judicial. Sem a qual não ocorreria de outra forma, pois o Brasil possuí um congresso conservador, e este tem se omitido em legislar em causa de minorias como o movimento LGBTI+.

Dessa forma, através do ADO 26 o judiciário reclama um raciocínio antecipatório, o que Garapon (1999, p.146 ) entende como “Antecipação do direito” como podemos ver no trecho “O direito do juiz não pode ser outro senão um direito para o amanhã. Mas, então, o que será do princípio sacrossanto da segurança jurídica?” (GARABPON, 1999, p. 139). Na verdade, os direitos a felicidade e à igualdade de tratamento já são previstos constitucionalmente, mas não eram abordados em lei específica para esse grupo minoritário que sempre foi vítima de todos os tipos de violência.

Não há violência à democracia, e sim uma ação constitucional do direito para que um grupo minoritário da sociedade sejam reconhecidos como sujeitos de direito. Ao equiparar a homotransfobia ao racismo, o STF está fazendo o que  Michael McCANN  caracteriza como: “ (...) mobilização do direito se refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores.”. (McCANN, 2010), p. 182). Nessa lógica, a decisão da ADO 26 foi atender uma demanda de pessoas injustiçadas diariamente e por em pauta na nossa sociedade a importância da tolerância e diversidade como um todo, como podemos ver  em MacCANN:

 

“Quando o tribunal atua em uma disputa particular, ele pode de uma só vez: aumentar a relevância da questão na agenda pública; privilegiar algumas partes que tenham demonstrado interesse na questão; criar novas oportunidades para essas partes se mobilizarem em torno da causa; e fornecer recursos simbólicos para esforços de mobilização em diversos campos”. (MAcCANN, 2010, p. 186)

 

Ao pautar e criminalizar a homotransfobia, o STF está promovendo uma mensagem tolerância à diversidade e opção sexual das pessoas e colocando na agenda dos outros atores do estado e da sociedade, o que MacCANN (2010, p. 184) conceitua como nível instrumental ou estratégico. Abrindo espaço, para que o grupo LGBTI+ continue reivindicando seus direitos básicos e para que outros grupos minoritários também o façam.

Também é importante mencionar as mudanças como essa da ADO 26 causam na sociedade. MacCANN (2010, p. 188) as denomina como “mudanças no nível do poder constitutivo da autoridade judicial” as quais: “diz respeito aos modos pelos quais as práticas de construção jurídica dos tribunais são “constitutivas” de vida cultural” (MAcCANN, 2010, p. 189). Essas mudanças legitimas e constitucionalmente embasadas passam a pertencer ao seio social.

Como vimos, a ADO 26 veio em 2019 revela um importante papel dos tribunais constitucionais na nossa sociedade, eles são responsáveis por agirem em prol das demandas sociais históricas e revelarem essas pautas aos outros agentes do estado e da sociedade. Ao mesmo tempo que garantirem o reconhecimento de direitos fundamentais de grupos minoritários, além de contribuírem positivamente para a transformação social e aceitação destes grupos como sujeitos de direito.

Infelizmente, como abrimos esse texto, pessoas do grupo LGBTI+ continuam sendo vítimas de violência em pleno ano de 2022, o que significa que apesar dessa conquista histórica em 2019 promovida pela ADO 26, há muito que se fazer na transformação a sociedade para aceitação e tolerância da diversidade de identidade sexual.

 Joel Martins S. Junior

Aluno do 1º ano de Direito (Noturno) – UNESP/Franca – SP. 

  

Referências

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão 26 Distrito Federal. Relator: Ministro Celso de Mello. 13 de junho de 2019. O Tribunal, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Por maioria e nessa extensão, julgou-a procedente, com eficácia geral e efeito vinculante.

Disponível em:

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754019240

Acesso em: 04 de novembro de 2022.l

 

BRASIL. Agência Brasil:  Número de mortes violentas de pessoas LGBTI+ subiu 33% em um ano. Brasília, 2022.

Disponível em:

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2022-05/numero-de-mortes-violentas-de-pessoas-lgbti-subiu-333-em-um-ano

Acesso em: 04 de novembro de 2022.

 

BOURDIEU, Pierre. “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989 [Cap. VIII, , p. 209-254].

 

GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999. [Cap. VI – A magistratura do sujeito, p. 139-153]

 

McCANN, Michael. “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários” In: Anais do Seminário Nacional sobre Justiça Constitucional. Seção Especial da Revista Escola da Magistratura Regional Federal da 2a. Região/Emarf, (2010) p. 175-196.

 

 

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