A ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) n° 26, de 13 de junho de 2019, interposta pelo PPS (Partido Popular Socialista), tem como objetivo que o Supremo Tribunal Federal declare que o Congresso Nacional, Câmara de Deputados e Senado, tenha-se omitido na sua função constitucional de proteção de grupos minoritários. Essa ação veio acompanhada do Mandato de Injunção 4733 ajuizada pela ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos), e segundo os proponentes de ambos, o Congresso Nacional deveria proteger homossexuais e transgêneros, porém não foi capaz de cumprir essa obrigação. Ou seja, as ações aspiram que o STF aplique a Lei n° 7.716/89, conhecida como “Lei do Racismo”, a esses tipos específicos de discriminação. O Art. 1° desta lei estabelece que são crimes as condutas preconceituosas no que diz respeito à cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional, caracterizando a própria atividade de incitar a discriminação como criminosa, e englobando-se no chamado “racismo no sentido amplo”, segundo o Direito Penal.
Entretanto, essa lei não inclui outros tipos de preconceitos relacionados ao gênero, a idade, a orientação sexual ou por identidade de gênero, justificando o pedido de inclusão desses conceitos por parte do STF. Nesse sentido, destaca-se um ponto bastante relevante: o STF como órgão do Poder Judiciário não pode criar leis. Dessa forma, o máximo que poderia acontecer seria a aplicação da Lei do Racismo a esses casos por analogia, isto é, existindo-se uma lacuna na lei, ao não abordar um tema em particular, procura-se uma lei ou norma semelhante para ser aplicada nesses casos. No entanto, uma das problemáticas está na violação de um dos princípios mais importantes do Direito Penal: o princípio da legalidade ou da reserva legal, previsto no Art 5°, inciso XXXIX da Constituição Federal. Essa parte do texto constitucional estabelece que não há crime, nem pena, sem prévia cominação legal. Em outras palavras, só há crime, se ele tiver sido descrito na lei, vinda do Congresso Nacional e descrita de maneira detalhada para que haja transparência. Conclui-se, portanto, que apenas o legislador pode criar leis.
No ano de 2019, destacamos a figura do Ministro Celso de Mello, que durante a votação fez uma regressão histórica sobre o que é homossexualidade, o que é a questão de gênero, de identidade, falou sobre os crimes de ódio sofridos por esses grupos vulneráveis, da obrigação da Constituição de proteger essas pessoas. Apesar disso, o voto do ministro expõe que apesar de reconhecer que o Congresso Nacional foi omisso, ele não pretende aplicar, por analogia, o crime de racismo à situação de orientação sexual e de gênero. Em 2006, houve a apresentação do Projeto de Lei 122/2006 que modifica expressamente a Lei do Racismo para incluir preconceito de gênero (mulheres), identidade de gênero (transexuais) e orientação sexual. Posteriormente, discute-se também acerca da idade e por deficiência física. Esse projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, porém também precisava da aprovação da segunda casa do congresso, o Senado Federal, onde foi arquivado.
Ainda nessa discussão, é fundamental citar um dos casos mais conhecidos e marcantes dos últimos tempos, sendo este o assassinato de um adolescente de 14 anos, Alexandre Ivo, com claros sinais de tortura e o que tudo indica motivado por uma questão de homofobia, no ano de 2010. Cabe salientar também que a homofobia não se apresenta como um crime isolado, na verdade, ela desdobra-se em muitos outros crimes, principalmente no Brasil, que este ano foi eleito o país que mais mata população LGBTGIA+, pelo quarto ano consecutivo. A liberdade de expressão ou religiosa não podem ser utilizadas para blindar discursos e comportamentos de ódio.
Diante de tudo isso, ao McCann discorrer acerca da “Mobilização do Direito”, ele se refere à necessidade de assegurar não apenas a igualdade formal, mas também a igualdade material, ou seja, uma igualdade de direitos que busque extinguir ou minimizar o desequilíbrio entre os grupos. Logo, a compreensão e valorização das lutas e das demandas coletivas levantadas pelos movimentos sociais vai de encontro, diretamente, ao que está sendo pleiteado, nesse caso, a criminalização de casos de homotransfobia. Isso é resultado da ampliação do conceito de “espaço dos possíveis”, de Pierre Bourdieu, que possibilita o surgimento de lutas sociais que busquem defender demandas atuais, o que se enquadra dentro da concepção da “historicização das normas”.
Já Garapon fala sobre o “ativismo judicial” ao enxergar o Judiciário como um agente responsável pelo preenchimento de lacunas deixadas pelo Legislativo, cabendo ao Magistrado tutelar a proteção dos indivíduos, vulneráveis ao pensamento heteronormativo dominante, caracterizando o que chamamos de “magistratura do sujeito”.
Por fim, apesar do STF não possuir a incumbência de criar leis, o caso da ADO 26 não se encaixaria nesse cenário, visto que é papel do Supremo garantir os direitos individuais, coletivos e sociais. Dessa forma, torna-se necessário a criação e implementação eficaz de leis mais específicas que busquem realmente garantir a proteção, segurança, liberdade, igualdade e o próprio direito à vida, como prevê o Art 5° da Constituição Federal de 1988.
Nome: Sarah de Jesus Silva dos Santos
1° ano Direito - Matutino
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