De acordo com o relatório
do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQIA+, o Brasil é o país que
mais mata pessoas no mundo, devido a discriminação de orientação sexual, pelo
quarto ano consecutivo. Aqui morre uma pessoa LGBTQIA+ a cada 29 horas, isso desconsiderando
os casos não são contabilizados. Nesse viés, não há dúvidas de que a criminalização
da homofobia realizada pelo STF, através da ADO 26, no dia 13 de fevereiro de
2019, a qual equiparou a homofobia ao crime de racismo, foi extremamente necessária
e tardia. Entretanto, nem todos compactuam com essa visão, grande parte dos que
discordam mascaram seus preconceitos e ideais “religiosos” e conservadores sob
o argumento de que essa decisão não dizia respeito ao judiciário e que confere
usurpação de poder; sinto medo e repulsa de uma sociedade que se preocupa mais com
um possível “ativismo judicial”, no seu sentido pejorativo, do que com 135
seres humanos morrendo de forma violenta só no primeiro semestre de 2022.
Em primeiro lugar, faz-se necessário o amplo conhecimento
de que o STF não criminalizou a homofobia de acordo com as “vozes da cabeça” dos
ministros ou porque eles são muito bonzinhos. A priori, a própria população foi
responsável pela ampliação do “espaço dos possíveis”, de Bourdieu, para que
a criminalização fosse uma realidade possível, realidade essa que só se deu a
partir da “mobilização do direito” de Michael McCann, ou seja, as ações
e lutas dos indivíduos, grupos sociais, partidos e organizações são as grandes responsáveis
por essa conquista. Ademais, o Supremo Tribunal Federal só se encarregou dessa
função porque o Congresso se omitiu do seu dever constitucional de garantir a
punição legal de práticas discriminatórias, uma vez que se passaram décadas sem
que um projeto de lei fosse debatido ou votado, e sempre acabavam arquivados,
assim como os números de LGBTfobia são jogados para debaixo do tapete.
Tal omissão, que chega quase a ser criminosa, dos
parlamentares do Congresso, configura o que Bourdieu define como “instrumentalismo”,
ou seja, o direito a serviço da classe dominante, a qual no Brasil sempre foi constituída
por homens brancos, cis e heterossexuais, como é perceptível esse grupo não é o
que sofre com os prejuízos da homofobia, é na maior parte das vezes o que
causa, e muito coincidentemente, é a maioria do Congresso brasileiro, órgão esse
que foca majoritariamente na manutenção dos privilégios da classe dominante e
não em assegurar o direito mais básico possível a população LGBTQIA+, o direito
à vida. No que também tange a omissão do poder Legislativo, Maus e Garapon afirmam
que se necessário, os magistrados podem e devem ser participes no processo de
criação do direito, haja vista que suas funções não devem ser puramente mecânicas.
Ademais, Garapon evidencia que a justiça deve ter o intuito de apaziguar o molestar
do indivíduo sofredor moderno a partir da chamada “magistratura do sujeito”,
em outras palavras, o juiz tem o dever de se colocar no lugar da autoridade
faltosa para garantir uma intervenção nos assuntos particulares de um cidadão,
no caso analisado fica claro que a autoridade faltosa diz respeito ao
Congresso, enquanto os assuntos particulares de um cidadão, diz respeito a
garantia de vida e liberdade de milhares de cidadãos.
Em penúltimo lugar, vale ressaltar que a Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão não apenas criminalizou a homofobia como também abriu portas para o
fortalecimento da luta LGBTQIA+ e para que outros direitos dessa população
pudessem ser tutelados, afinal, segundo McCann, tais decisões históricas como
essa do STF, que afirmam visões de uma boa e legitima sociedade, incentiva e encoraja
que os demais comecem a aceitar a pauta, em termos mais técnicos, as práticas
de construção jurídica dos tribunais passam a construir e modelar a vida cultural.
A título de exemplo tem-se as respectivas sansões que estão sendo aplicadas a
atriz Cássia Kiss, por conta de suas recentes falas de caráter homofóbico, tais
medidas são estão sendo tomadas porque houve uma serie de mudanças no âmbito cultural
e porque o STF agiu como catalizador da ação político social, de forma
que foram fornecidos recursos simbólicos e mecanismos para que a luta LGBTQIA+
conseguisse se mobilizar cada vez mais em torno da causa.
Entretanto, perante os aspectos debatidos acima, fica evidente
de que o STF em momento algum realizou algo que não lhe dizia respeito ou estava
acima da sua função, visto que a própria Constituição lhe garante o papel de “guardião
constitucional” e a criminalização da homofobia fez com que chegássemos um
pouquinho mais perto de concretizar o art. 5º da Carta Magna e de conquistar um
pais totalmente democrático, dessa forma a ADO 26 se afasta de uma possível criação de direito e
se aproxima mais de uma extensão do que a Constituição garante formalmente, mas
não materialmente.
Anny Barbosa - 1º ano de Direito Noturno.
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