“E a concorrência
entre os intérpretes está limitada pelo fato de as decisões judiciais só
poderem distinguir-se de simples atos de força políticos na medida em que se
apresentem como resultado necessário de uma interpretação regulada em textos
unanimemente reconhecidos” (BOURDIEU, 1989, p. 214)
As ações diretas, como
é o caso das ADPF, são manifestações claras da ocorrência de um processo de
transição no Direito. A democratização implica muitas mudanças na forma do
exercício da justiça, dentre as quais se destaca a possibilidade de
interpelação por parte da sociedade civil às cortes competentes para denunciar
controvérsias no que diz respeito aos direito adquirido e a posição do Estado.
Nessa linha, a ADPF 54/2012 consiste num exemplo da aplicação do ponto de vista
de Pierre Bourdieu sobre o Direito e da consolidação de uma nova ordem social.
Bourdieu é um dos símbolos da oposição à ideia de isolamento da lei em
relação às forças sociais externas. O esqueleto que sustenta o Direito não é
fruto de um desenvolvimento próprio, mas provém de uma estrutura de poder que
se projeta sobre o campo do direito e faz com que o poder
simbólico seja exercido também no âmbito jurídico. Nesse caso, o sociólogo
francês destaca que o exercício do poder através do Direito parte do emprego de
“textos unanimemente conhecidos”, ratificando seu argumento acerca da tendência
universalista do direito.
Dito isso, a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental é um demonstrativo do emprego de
legislações do conhecimento comum dos intérpretes - tendo como destaque a
Constituição Federal de 1988 e o Código Penal de 1940 - no sentido de
mobilizá-los de acordo com o direito objetivo e, naturalmente, com suas
convicções jurídicas. Por mais que as interpretações se voltem para as mesmas
fontes normativas, houve diferentes formas de dizer o Direito, no
sentido de mobilizar preceitos constitucionais - hierarquicamente superiores
àquele da legislação penal - que estivessem alinhados.
Sem dúvida, alinhar direitos sociais considerados à vanguarda de seu
tempo, como é o caso daqueles previstos na Lex Mater com um código de
1940 outorgado por um decreto-lei resultaria na prevalência de uma
interpretação baseada nos preceitos constitucionais, tendo em vista a
transformação jurídica anteriormente mencionada. Isso, além do conhecimento
comum, implica num pôr-em-forma comum em relação ao enquadramento das
normas aos princípios predeterminados constitucionalmente.
João Pedro Santos Frari, Matutino
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