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domingo, 10 de junho de 2018

O aborto sob a perspectiva de Bourdieu


Ao acessar o site do Senado Federal, é possível encontrar a seguinte definição científica para anencefalia: “malformação decorrente do não fechamento do neuróporo anterior do tubo neural do embrião, o que implica na ausência ou formação defeituosa dos hemisférios cerebrais” (DIAMENT, 1996, p.742). Como o direito civil defende que a vida está ligada à atividade cerebral, o anencéfalo é considerado um natimorto cerebral por apresentar, segundo a Resolução Nº 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina, ausência de atividade elétrica cerebral, ou ausência de atividade metabólica cerebral, ou ausência de perfusão sanguínea cerebral. Vale ressaltar que 50% desses fetos morrem ainda no útero e a outra metade após o parto.
A mulher que carrega em seu ventre um feto anencéfalo acaba por sofrer duplamente: tanto no quesito psicológico, por saber que a possibilidade de carregar um feto morto dentro de si é grande e de que, caso o feto respire após o parto, a expectativa de vida de seu filho é muito curta, levando a um aumento da taxa de depressão; quanto no quesito físico, pois é comprovado que a gestação de anencéfalos pode trazer riscos à saúde da mãe, uma vez que a poli hidrâmnio é mais frequente nesses casos e que pode levar à um trabalho de parto prolongado, incidindo hipotonia e hemorragia pós parto, além de tornar mais lento, pela falta de amamentação,  a involução uterina que pode levar a sangramentos intensos no puerpério.
Diante dessa situação, o aborto seria a solução mais viável e portanto, segundo o pensamento bourdiano, o direito poderia ser usado de forma a proporcionar mudanças na sociedade, sendo delimitado pela estrutura em que está inserido. Influenciado pelos acontecimentos internos, nesse caso, da realidade de que todos os anos ocorrem no Brasil 1 milhão  de abortos clandestinos, dos quais geram 250 mil internações no SUS provenientes de complicações pós-abortivas, fazia-se necessário a legalização do aborto de anencéfalos. Para isso, utilizou-se como estratégia a judicialização, na qual para Bourdieu, seria legitima uma vez que, a decisão a favor do aborto foi tomada a partir  do direito, que possui como características: neutralidade (representada pelos magistrados), universalidade (esse direito atingiria todas as mulheres), possibilidade do uso da hermenêutica (que no caso interpretaria os princípios constitucionais positivados de forma a privilegiar a mãe) e a multidisciplinaridade para tomada de decisões (STF levou em consideração o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e a Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos).
            O fato era que no art 128 do Código Penal o aborto já era legalizado para os casos de estupro, levando em consideração a saúde da genitora. Então porque no caso dos anencéfalos, os riscos à saúde psicológica e física, mesmo que comprovados, não são levados em conta? Afinal, ao lado da mãe existem o princípio da dignidade da vida humana e da autonomia de tomar decisões, que devem ser levados em conta como uma escolha da pessoa que teria que gestar por nove meses e não como uma obrigação que levaria a mulher a passar por todas as complicações desnecessárias ou a recorrência à um aborto clandestino. De qualquer forma, essas mães estariam correndo risco de vida e o direito seria o caminho para assegurar suas necessidades humanas.

JÚLIA SÊCO PEREIRA GONÇALVES - DIREITO MATUTINO

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