Ao acessar o site do Senado Federal, é
possível encontrar a seguinte definição científica para anencefalia: “malformação
decorrente do não fechamento do neuróporo anterior do tubo neural do embrião, o
que implica na ausência ou formação defeituosa dos hemisférios cerebrais” (DIAMENT,
1996, p.742). Como o direito civil defende que a vida está ligada à atividade
cerebral, o anencéfalo é considerado um natimorto cerebral por apresentar,
segundo a Resolução Nº 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina, ausência de
atividade elétrica cerebral, ou ausência de atividade metabólica cerebral, ou
ausência de perfusão sanguínea cerebral. Vale ressaltar que 50% desses fetos
morrem ainda no útero e a outra metade após o parto.
A mulher que carrega em seu ventre um
feto anencéfalo acaba por sofrer duplamente: tanto no quesito psicológico, por
saber que a possibilidade de carregar um feto morto dentro de si é grande e de
que, caso o feto respire após o parto, a expectativa de vida de seu filho é
muito curta, levando a um aumento da taxa de depressão; quanto no quesito
físico, pois é comprovado que a gestação de anencéfalos pode trazer riscos à
saúde da mãe, uma vez que a poli hidrâmnio é mais frequente nesses casos e que
pode levar à um trabalho de parto prolongado, incidindo hipotonia e hemorragia
pós parto, além de tornar mais lento, pela falta de amamentação, a involução uterina que pode levar a
sangramentos intensos no puerpério.
Diante dessa situação, o aborto seria a
solução mais viável e portanto, segundo o pensamento bourdiano, o direito
poderia ser usado de forma a proporcionar mudanças na sociedade, sendo
delimitado pela estrutura em que está inserido. Influenciado pelos acontecimentos
internos, nesse caso, da realidade de que todos os anos ocorrem no Brasil 1 milhão de abortos clandestinos, dos quais geram 250
mil internações no SUS provenientes de complicações pós-abortivas, fazia-se
necessário a legalização do aborto de anencéfalos. Para isso, utilizou-se como
estratégia a judicialização, na qual para Bourdieu, seria legitima uma vez que,
a decisão a favor do aborto foi tomada a partir do direito, que possui como características:
neutralidade (representada pelos magistrados), universalidade (esse direito
atingiria todas as mulheres), possibilidade do uso da hermenêutica (que no caso
interpretaria os princípios constitucionais positivados de forma a privilegiar
a mãe) e a multidisciplinaridade para tomada de decisões (STF levou em
consideração o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e a Rede Nacional
Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos).
O
fato era que no art 128 do Código Penal o aborto já era legalizado para os
casos de estupro, levando em consideração a saúde da genitora. Então porque no caso
dos anencéfalos, os riscos à saúde psicológica e física, mesmo que comprovados,
não são levados em conta? Afinal, ao lado da mãe existem o princípio da
dignidade da vida humana e da autonomia de tomar decisões, que devem ser levados
em conta como uma escolha da pessoa que teria que gestar por nove meses e não
como uma obrigação que levaria a mulher a passar por todas as complicações
desnecessárias ou a recorrência à um aborto clandestino. De qualquer forma,
essas mães estariam correndo risco de vida e o direito seria o caminho para
assegurar suas necessidades humanas.
JÚLIA SÊCO PEREIRA GONÇALVES - DIREITO MATUTINO
FONTES UTILIZADAS:
Nenhum comentário:
Postar um comentário