Uma das questões que mesmo já tendo sido resolvida judicialmente,
mas que ainda causa discussões e debates é a questão da interrupção terapêutica
da gestação de feto anencefálico. A anencefalia é uma condição na qual o bebê
nasce com o cérebro subdesenvolvido e sem a calota craniana, que ocorre por
conta de uma malformação do tubo neural. Na maioria dos casos de anencefalia, os
bebês já nascem sem vida, e nos outros casos de menor número, as crianças permanecem
vivas por pouco tempo, tendo uma sobrevida de normalmente poucas horas.
Levando em consideração esses casos, a maior discussão é
se os direitos que devem prevalecer são os direitos da criança, que mesmo sem a
possibilidade de alcançar a infância e a adolescência, possui direito à vida,
ou os direitos da mãe, que ao escolher interromper o parto, está exercendo seus
direitos de liberdade, autonomia da vontade e o princípio da dignidade da
pessoa humana. No entanto, mesmo com esse embate, é coerente que o aborto de
anencéfalos seja legalizado, já que isso causa consequências devastadoras para
a mulher que está carregando o filho, tanto fisicamente, já que pode ocorrer
acúmulo de líquido e hemorragia, afetando sua saúde, mas principalmente
emocionalmente, já que a mulher tem consciência que seu filho não irá sobreviver.
Portanto, é totalmente imoral tirar da mulher o direito de escolher se ela
deseja ou não prosseguir com a gestação.
Analisando então a ADPF 54, é importante destacar e
relacionar o caso com as ideias de Bourdieu. Ele defende que o Direito deveria
evoluir com a sociedade, sendo assim, correta a descriminalização do aborto de
um feto que não possui oportunidade de vida após o nascimento, visando assim a
saúde física e o estado mental da mãe. Outro ponto que merece destaque é a
crítica de Bourdieu à Kelsen, quando este enxerga o direito como uma ciência
isolada. Com este caso, nota-se o porquê dessa crítica, já que essa questão é
impossível de ser solucionada apenas pelo Direito, mas é necessária a ajuda de
outros campos, como a Medicina.
Portanto, nesse caso, a judicialização foi
necessária e legítima, já que a decisão a favor do aborto atendeu demandas da
sociedade e deu poder às mulheres, que podem assim exercer seu direito de
escolha.
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