A
questão acerca do debate sobre o aborto de anencéfalos é permeada de interesses
políticos que possuem como fundo temas morais e religiosos, em sua maioria.
Contudo, os interesses dos atores políticos muitas vezes deturpam sua compreensão
do tema.
A anencefalia
é uma condição medica em que o feto não desenvolve o cérebro e ocorre má
formação da caixa craniana, porém, devido ao fato de o tronco cerebral; parte
que contém o bulbo, que é o responsável pelas funções involuntárias do corpo se
encontrar em estágio avançado de desenvolvimento, boa parte dos fetos não
sofrerão aborto espontâneo. Apesar de tudo, o feto não possui expectativa
alguma de alcançar sequer o período da segunda infância.
Este
delicado tema pode ser utilizado para ilustrar a tese de Pierre Bourdieu de que
o Direito não pode ser apartado do plano moral e social para ser tratado como
uma ciência com fim em si mesma; mas também de que o Direito não deve ser
tratado puramente como um instrumento a serviço dos detentores do poder na sociedade.
A ação
que iniciou o debate na suprema corte brasileira, foi originária da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que visava proteger profissionais que
auxiliassem no aborto de fetos anencéfalos de punições. Durante o trâmite do
processo, a ação enfrentou resistência, principalmente por parte de religiosos
influentes, que rechaçavam as apelações
de algumas grávidas com fetos diagnosticados com anencefalia e a apelação da
CNTS usando argumentos com base religiosa que, para não serem imediatamente recusados
pelo STF, foram adaptados para que o debate na corte não fosse diretamente
entre religião e dignidade humana e sim entre os princípios constitucionais do
direito à vida e o princípio da dignidade humana.
Apesar
do conflito ter se arrastado por vários anos, atualmente em 2018, o aborto de
anencéfalos não é considerado crime; pois o entendimento da corte foi de que a
dignidade e o direito à vida da mulher, que é uma vida consolidada deve
prevalecer em detrimento de um feto sem perspectiva de alcançar a maturidade.
Um dos
fatos centrais sobre a legalização do aborto de anencéfalos a se considerar, é
que a legalização da prática não é sinônimo de obrigatoriedade, pois da mesma
forma que é moralmente condenável forçar uma mulher a ter uma criança que
certamente morrerá após o parto, é condenável forçar uma mulher que não deseja
abortar seja por convicções pessoais ou religiosas ao aborto pois existe a
certeza da morte da criança no nascimento.
Este ilustra
bem a tese de Bourdieu, pois no momento, não foi o entendimento de quem detêm o
poder, bancadas religiosas, que prevaleceu, como provavelmente seria esperado
por Marx; e também o Direito não se manteve alheio aos fatores sociais e morais
que o cercavam como seria esperado por Kelsen.
Caíque
Barreto – Turma XXXV- Matutino
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