EUROPA 2012: UMA
NOVA DIALÉTICA?
O materialismo histórico, já no século XIX, pautava
pela primazia da existência sobre a consciência, quando da determinação da
condição do indivíduo. O antagonismo histórico entre as duas classes
significativas do Estado liberal, a burguesia e o proletariado, dinamizadas em
trajetórias próprias, no entanto, sugere para a culminação do confronto, dialético,
de interesses. Se, já em 1816, Saint Simon prevê a absorção absoluta da
política pela economia; ele não poderia estar mais certo. Fourier, por sua vez,
declara a efemeridade da civilização, em seus “círculos viciosos”. Owen, o percussor
das preocupações trabalhistas, resurge mais atual do que nunca. No entanto, as
análises sociológicas dos alicerces teóricos do socialismo científico dissecam
a Europa de 2012, nua e cruamente, justamente como faziam no auge das
contradições da Europa vitoriana, expansionista e apreciadora de absinto.
Isso ocorre porque se em tempos Dickensianos a
dialética travava-se entre burguesia e proletariado, hoje, no ocidente europeu,
a classe burguesa nativa europeia, afluente e secular, choca-se com o mar de
imigrantes muçulmanos renegados ao status de proletários do século XXI. Proletários
do século XXI, não em função profissional maquinal e redundante, mas como sujeitos
sociais. Em uma Europa de alta tecnologia, fábricas fordistas não tem vez.
Aqueles que não têm acesso à educação de qualidade são excluídos à
informalidade, aos trabalhos serviçais facilmente substituíveis, uma vez que o
emprego industrial transferiu-se ao Sudeste Asiático. O imigrante muçulmano, portanto,
carece de meios para acender socialmente. Sofre restrições legais para exercer
direitos fundamentais ao homem, sente dificuldade em aprender o idioma local. Ele,
consequentemente, sente-se encurralado: visto como eterno forasteiro, vítima de
estigmatização por parte da mídia, da polícia, da justiça e do sistema
universitário, não vê outro alternativa a não ser fechar-se ghettos étnico-religiosos,
como Saint-Saint Dennis e Clichy-Sus-Bois, enclaves da periferia parisiense que
queimaram sob o ardor da revolta das minorias em 2005.
Os nativos europeus, por outro lado, defendem seus
interesses como a burguesia tradicional fazia com vigor, no século XIX. Partidos
conservadores passam a defender o mercado de trabalho local, restrições aos
estrangeiros, corte de benefícios aos mais necessitados e, principalmente, o
fim do multiculturalismo. Na Holanda, por exemplo, políticos que fazem parte do
governo defendem, abertamente, o banimento do Corão. Na França, proibi-se o uso
da burka em espaços públicos. Na Suíça, iniciativas populares pregam pela
limitação de construção de mesquitas. Se no século XIX, a burguesia defendia
seus interesses a ferro e fogo, em 2012, ela ainda o faz, mas por meios
camuflados pelo apoio populista de direita e com base em sensacionalismos
midiáticos.
Vê-se, assim, a dialética do materialismo histórico
pulsando sobre as artérias do continente europeu. Proletários do século XXI de
um lado, ou seja, os estrangeiros e imigrantes, sobretudo muçulmanos; nativos
de outro. Aqueles cada vez mais conscientes de sua função social, ativos
politicamente, organizados e antagônicos em relação à classe opressora. A burguesia
atual, como àquela de tempos napoleônicos, busca fortalecer sua posição social
frente às ameaças à ordem. Nacionalismo, protecionismo, radicalismo; todas as
ferramentas de repressão às massas que podem se revoltar. No entanto, a
dialética é real e permanente. Caos imigratório, crise econômica, terrorismo, questionamento
do euro, do multiculturalismo e de todo projeto europeu. A Europa de 2012 é
similar à Europa de 1848. O socialismo pode estar morto, mas a dialética e o
novo materialismo histórico, inerentes à Europa, estão mais vivos do que nunca.
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