Observando
os constantes comentários de meus parentes sobre a atual situação do mundo no
quesito de “qualidade de vida”, há a afirmação indubitável de que em “suas
épocas” o Brasil era melhor. Seus principais argumentos provêm do aumento da violência,
da crença da atual banalização dos antigos costumes, e, principalmente, na crescente
“vulgarização” sexual, já que neste século, para eles, muitas músicas e práticas
não condizem com suas morais.
De
fato, o mundo mudou em algumas décadas mais do que nos últimos séculos. E não
foi somente no preceito tecnológico, ele avançou no sentido social. Assim,
questiono totalmente essa preposição de retrocesso.
Passando
suas adolescências no período da ditadura cercados de dogmas e paradigmas, é simples
reclamarem da atual violência no Brasil, assim como, não se enquadrando nas
minorias (estando dentro dos “padrões” da sociedade patriarcal brasileira), não
verem melhoras em suas liberdades. Esse pensamento é “compreensível”
principalmente pelo já citado: não faziam parte da minoria e não foram
fisicamente e expressamente contra a ditadura a ponto de sofrerem por isso. Ele
é guiado pela restrita lógica de que, se suas vidas individualmente não
melhoraram sendo cidadãos “de bem” e vendo o que antes era “proibido e
condenável” se tornando “comum”, a vida não está melhor. Vivem dentro dessa
pequena bolha que é explicada e criticada pelos fundadores da ciência moderna:
Francis Bacon e René Descartes.
Francis
Bacon mostra como o puro labor da mente é enganoso. A razão usada para
determinar a “deterioração” do Brasil é baseada somente em experiências particulares,
desprovida de uma forma de averiguação coletiva. Isso compreende a definição do
senso comum antigo, que é baseado, além disso, nas paixões e nas superstições,
como critica Descartes.
A
romantização do passado, junto com a tradição de que o antigo é melhor e o novo
é ruim e a forte crença em afirmações religiosas são demonstrações claras desse
modo arcaico de pensar e formar o conhecimento, que, felizmente, mesmo que de
forma gradual, está perdendo espaço para o pensamento moderno de ciência. Este se
baseia na dúvida de tudo, até mesmo de preposições antes consideradas
verdadeiras e certas (Descartes), e na desvinculação dos ídolos do
conhecimento, acompanhado de não acreditar somente no que a mente produz (Bacon).
E
seguindo Descartes com o critério de definir a verdade ser a clareza, é possível
afirmar que o Brasil evoluiu, mas não em todas as esferas. Atualmente, é clara não
só a influência desses pensadores, mas o alcance de seus objetivos. Ao
rejeitarem conhecimentos baseados em fé, em confirmações inatas e em
superstições, uma maior neutralidade é alcançada. Além disso, a evolução no
campo social é demonstrada pelo aumento da luta por parte de minorias e, ainda
que longe do ideal, o aumento de suas conquistas. Em nenhuma outra época grupos
ignorados pelo Estado e pela sociedade possuíram tanta voz e poder. Então, como
poderia o mundo estar pior? Talvez para a parte das pessoas em que a ditadura “serviu”
porque “não existia” violência, ou porque estavam dentro dos ideais da igreja e
das tradições da época, mas definitivamente não para aqueles que sofriam apenas
por existirem ou por serem diferentes do “padrão”, e que agora, possuem maior
respeito e, principalmente, o direito inquestionável de resistência.
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