A
MOBILIZAÇÃO DO DIREITO E A LUTA PELA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
O jurista Michael McCANN apresenta o conceito de mobilização do Direito,
que se refere à atuação dos indivíduos, dos diversos grupos sociais e
organizações em acionar o Poder Judiciário para satisfazer seus direitos e
interesses. Ainda, trata-se de visualizar os tribunais como uma ferramenta
política e social dos grupos sociais, ao invés de enxergá-los como um
instrumento limitado aos operados do Direito.
Sendo assim, McCANN demonstra o papel do judiciário por meio da
perspectiva dos usuários – grupos sociais, organizações – e com base na
abordagem institucional histórica, na qual a mobilização do Direito é reflexo de
“processos institucionais e lógicas organizacionais da profissão jurídica, dos
grupos de interesse e dos movimentos de reformas sociais” (McCANN, p. 180).
A título de ilustração do conceito de mobilização do Direito e da
atuação dos tribunais, tem-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.590,
proposto pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em face do Poder Executivo, a
fim de solicitar a medida cautelar de suspensão do Decreto nº
10.502/2020
que criou a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com
Aprendizado ao Longo da Vida. Embora fosse um decreto, o detalhamento dos
institutos, serviços e obrigações no ato normativo gerou uma nova política
educacional nacional às pessoas com deficiência, o que justificou o ajuizamento
da ADI.
Tal ação, julgada em 21 de dezembro de 2020, teve como relator o
ministro Dias Toffoli que proferiu o voto vencedor no sentido de suspender o
referido decreto, por entendê-lo como um retrocesso aos direitos conquistados
pelas pessoas com deficiência. Nesse sentido, a previsão no ato normativo de
implantar escolas e classes específicas para os alunos com deficiência,
transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação geraria
a segregação desses educandos dos alunos sem deficiência (BRASIL, 2020).
Ademais, essa proposta de formar escolas especiais excluiria os alunos
com deficiência do sistema geral de educação, sendo que a rede regular de
ensino seria apenas uma opção para esses alunos, fato que contraria o art. 208,
III da CF/88 que prevê o atendimento educacional especializado
preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 2020).
Além disso, o tribunal entendeu que as escolas especiais inviabilizam a
educação inclusiva, na qual o ambiente escolar deve ser plural e deve atender
as diversas necessidades dos alunos. Por fim, o decreto viola o art. 24
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto
n° 6.949/2009) e a Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e
Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais de 1994 (BRASIL, 2020).
Verifica-se, portanto, que a referida
decisão foi fruto da mobilização das pessoas com deficiência – representadas
pelas inúmeras organizações desse grupo social que figuraram como amicus
curiae na ADI – com o intuito de lutar pelo direito à educação inclusiva.
Outrossim, pode-se relacionar o afastamento do decreto com o nível do poder
constitutivo da autoridade judicial, citado por McCANN como a capacidade dos
tribunais de afirmarem certas ideias e rejeitarem outras, uma vez que a decisão
reforça a cultura da educação inclusiva e influencia os indivíduos a compartilharem
da mesma visão sobre a educação. Assim, não se deve segregar os alunos com deficiência,
mas sim, melhorar as condições do ensino no sistema regular de educação para
que as pessoas com deficiência também sejam atendidas.
Dessa forma, a decisão judicial que
suspendeu o decreto da educação especial demonstra o poder dos tribunais em
impulsionar a luta por direitos dos grupos sociais possibilitando, neste caso,
mais avanços ao movimento por igualdade e dignidade das pessoas com
deficiência.
REFERÊNCIAS
BRASIL,
Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 6.590. Referendo
de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Decreto nº 10.502,
de 30 de setembro de 2020. Política Nacional de Educação Especial: Equitativa,
Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Ato normativo que inova no ordenamento
jurídico. Densidade normativa a justificar o controle abstrato de
constitucionalidade. Cabimento. Artigo 208, inciso III, da Constituição Federal
e Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Educação inclusiva como paradigma constitucional. Inobservância. Medida
cautelar deferida referendada. Requerente:
Partido Socialista Brasileiro. Requerido: Presidente da República. Relator:
Min. Dias Toffoli. Data do julgamento: 21 dez. 2020. Disponível em: <
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6036507> . Acesso em:
19 nov. 2021.
NOME:
GABRIELLE MAURIN DE SOUZA
TURNO: NOTURNO
Nenhum comentário:
Postar um comentário