A
discussão a respeito da mobilização do Direito como estratégia de ação coletiva
é extremamente tensa e requer análises criteriosas e não superficiais. Muitos
autores, como Garapon e Maus, realizaram diversas investigações acerca do
fenômeno da mobilização das estruturas judiciais. No entanto, pode-se perceber
que ambos dão muita notoriedade ao protagonismo dos tribunais, deixando de
prestigiar a forma como essas mobilizações são fruto, profundamente, da ação
incitante dos sujeitos e grupos sociais, uma vez que o Judiciário só age (ou só
deveria agir) mediante uma provocação social. No que se refere a essa importância
dada aos sujeitos e grupos sociais, o escritor McCann realizará uma
investigação notória, buscando colocar o enfoque nos indivíduos e ultrapassar a
questão do protagonismo dos tribunais.
De
acordo com as perspectivas de McCann, a mobilização do Direito deve ser
compreendida como “ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da
realização de seus interesses e valores”. Dessa forma, pode-se inferir que o
Direito é (ou teoricamente deveria ser) chamado à ação/participação por meio de
lutas e não por mera escolha dos tribunais, daí a importância de se reconhecer
que o protagonismo não está nos tribunais, e sim nos indivíduos ou grupos
sociais. O autor Frances Zemans menciona em seus escritos que “a lei é
mobilizada quando uma necessidade ou desejo é traduzida em uma reinvindicação
de lei ou afirmação de direitos legais”. Assim, é possível constatar que os dois
autores tomam uma postura muito plausível – descolam o foco dos tribunais para
os usuários (aqueles que incitam o Direito).
Ademais,
em uma passagem relevante de sua obra, McCann estabelece que “os tribunais são
reativos (reagem à provocação. E os atores sociais são os provocadores), mas
exercem poder, e suas escolhas são muito importantes para o funcionamento de um
regime político. E seu poder é complexo, mais do que mera fiscalização”. A
partir dessa menção, torna-se capaz induzir que as competências do poder
Judiciário são profundas, não cabendo a ele ser somente o guardião da
Constituição, o poder judicial pode e deve agir para resguardar os direitos
fundamentais dos indivíduos. Nenhuma lesão ou
ameaça a direitos, em especial, os direitos consagrados na Constituição poderão ser afastados da apreciação do Poder
Judiciário.
Sendo
assim, é necessário a compreensão de que o Judiciário não atua por livre e
espontânea vontade (pelo menos não pode e não deveria), e não age por demandas
não existentes. Esse poder, segundo o autor, só age mediante demandas que estão
presentes no âmbito social, político e histórico por exemplo. Ao estabelecer
essa linha de análise, McCann realiza uma respeitável contribuição – retira
toda a atenção e notoriedade dos tribunais, colocando-o apenas como “um ator a
mais no circuito complexo das relações de poder” (é a desmitificação, retirada
dessa perspectiva da exclusividade dos tribunais). Contudo, não podemos deixar
de adotar precauções acerca dessa atuação judiciária, tendo em vista que esse
poder pode utilizar de prerrogativas sociais e democráticas para extrapolar
imensamente suas áreas de atuação e tornar os sujeitos meros coadjuvantes do
espaço social.
Além
disso, para McCann, a mobilização do Direito não é um esvaziamento democrático.
Pelo contrário, ela é uma expressão do vigor democrático presente em uma
sociedade – grupos e pessoas se valendo do Direito como uma ferramenta de
concretização de direitos previstos democrática e constitucionalmente. McCann
acredita que a concepção da consciência do Direito, a percepção dos nossos
direitos fundamentais é o que move as pessoas a mobilização direito e
defenderam uma causa, tentando modificar ou criar normas que assegurem a vida e
dignidade humana. A busca pelos tribunais é uma decisão política de indubitável
relevância – é ter conhecimento de que os conselhos judiciais não são mero
espaço de bacharéis, é sim o espaço do povo, dos cidadãos.
Seguindo
as prerrogativas de McCann, pode-se conceber como uma petição do tribunal de
justiça do estado de São Paulo sobre a Apologia ao estupro em um trote da
UNIFRAN é acontecimento visível de uma mobilização do Direito. O trote referido
trata de um vergonhoso episódio acontecido na cidade de Franca, na qual o
Ministério Público (ator que mobiliza o direito – nesse caso um agente institucional,
que representa a sociedade como um tudo e, teoricamente, zela pelo cumprimento
dos preceitos constitucionais) entrou em ação judicial contra um ex-aluno da
Instituição, mencionando que:
“o requerido, ex-aluno da UNIFRAN, explorando momento de
comemoração por aprovação em vestibular de Medicina na referida instituição,
fez com que calouros entoassem, coletivamente, durante o trote universitário, a
pretexto de se tratar de hino, expressões de conteúdo machista, misógino,
sexista e pornográfico, expondo-os à situação humilhante e opressora e
ofendendo a dignidade das mulheres ao reforçar padrões perpetuadores das
desigualdades de gênero e da violência contra as mulheres”.
Assim,
é possível inferir que o judiciário não pode se abster de atuar mediante
mobilizações como estas. Em uma das partes do referido julgado, é estabelecido
que “a conduta praticada pelo requerido ultrapassou os limites toleráveis de
uma simples brincadeira, pois reforçou o machismo e colocou a mulher em posição
de inferioridade. O requerido reproduziu ideias que remetem à cultura do
estupro, estimulando agressão e violência”. Como não induzir que o poder Judiciário
atue mediante essa situação degradante? Como não induzir que o Judiciário tome
decisões mediante uma situação em que direitos fundamentais são violados? Como
não induzir que o Judiciário atue mediante essa ridicularização exposta?
Sem dúvidas, não podemos deixar de realizar uma vigilância ferrenha à atuação do poder judicial. No entanto, temos que observar que a mobilização do Direito é (e deve ser) uma maneira de se tentar buscar a concretização dos direitos individuais ou grupais de toda a sociedade. Ao incitar o poder Judiciário, como no acontecimento mencionado acima, estamos demonstrando que somos sujeitos, ou melhor, cidadãos sedentos de justiça e ânimo em busca das garantias constitucionais/legais. Mobilizar as estruturas judiciais são formais de demonstrar a todos que o campo do Direito não pode e (não deve) está à mercê de bacharéis e homens usando gravatas. Mobilizar o Direito é demonstrar que o povo está preparado para o combate, ainda que com armas totalmente inferiores. Mobilizar o Direito é tentar materializar os direitos estabelecidos e democratizar de fato a vida social de uma sociedade.
LIVIA GOMES - NOTURNO - 2º PERIODO
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