O jurista Michael McCan, no artigo “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos ‘usuários’”, faz uma abordagem institucional histórica para justificar o poder adquirido pelos tribunais nos regimes políticos modernos, argumentando que, conforme as instituições vão se expandindo e se tornando mais complexas ideológica e logicamente, é exigido que o direito e os tribunais respondam às demandas apresentadas. Sendo assim, as decisões jurídicas são muito relevantes para o funcionamento do regime político, mas é preciso observar as relações de tais decisões com os sujeitos e atores sociais que as ensejaram em busca da realização de seus interesses e valores próprios, ou seja, é necessário se atentar à mobilização do direito.
Na perspectiva dessa mobilização do direito, a influência dos tribunais pode ser em nível instrumental ou estratégico - em que as decisões judiciais, dali em diante, estruturam e baseiam os campos de luta das organizações, indivíduos e movimentos sociais - e/ou em nível do poder constitutivo da autoridade judicial - que diz respeito às decisões que resultam em modificações na vida cultural e em novos modos de conduta social e política. Neste ínterim, tem-se, como exemplo, na jurisprudência brasileira, o conteúdo da Medida Cautelar na Suspensão de Liminar 1.248/Rio de Janeiro, julgada pelo Ministro Dias Toffoli, em 2019.
Na Bienal do Livro do Rio de Janeiro daquele ano, uma revista em quadrinhos de super-heróis, que apresentava a imagem de um casal homossexual se beijando na capa, foi vista como conteúdo impróprio para o público infanto juvenil e motivou a Prefeitura da cidade a notificar o recolhimento das obras que tratassem de “homotransexualismo” que estivessem sendo comercializadas sem embalagem lacrada e advertência de conteúdo. Tal ação ensejou uma comoção nacional, que girou em torno da explícita homofobia que estava sendo praticada pelas autoridades. No julgado, Dias Toffoli, felizmente, deferiu a liminar que suspendia os efeitos da decisão da Presidência do Tribunal de Justiça do RJ, que, por sua vez, havia suspendido a decisão de um desembargador em compelir a abstenção do pedido de busca e apreensão das obras e da cassação da licença para a Bienal.
Neste caso, teve-se o nível estratégico da influência dos tribunais, tendo em vista que, em razão de decisões como a da ADI n° 4.277 e ADPF n° 132, que reconheceu a união estável de casais homossexuais no Brasil, e da criminalização da homofobia - resultado dos movimentos sociais da luta LGBTQIA+ no país -, além dos próprios princípios constitucionais de igualdade, liberdade de expressão e direito à informação, as lutas pelos direitos da população LGBTQIA+ se moldaram e tornaram possível que o preconceito fosse combatido, mobilizando o direito em seu favor e proibindo que atos como o tentado pela prefeitura do Rio de Janeiro se mantivessem.
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