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domingo, 21 de novembro de 2021

Criminalização da LGBTfobia e a mobilização do Direito


    Michael W. McCann, em seus estudos — principalmente naqueles contidos em sua obra “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos ‘usuários’” —, analisa as relações entre os movimentos sociais e o Direito, o que pode ser considerado revolucionário, posto que, durante a construção de suas ideias e teoria, retira o foco dos tribunais e o atribui àqueles que chama de “usuários”. Nesse sentido, percebe-se, portanto, o protagonismo dos sujeitos sociais na mobilização do direito, o qual deixa de ser exclusivo dos bacharéis e apresenta-se como uma ferramenta dos movimentos para que suas reivindicações sejam atendidas. Sendo assim, é possível notar que os tribunais apenas fornecem a decisão final acerca de um tema que, previamente, fora pauta das discussões sociais e que está ligado de forma intrínseca com as demandas de grupos de interesses.


    Concretizando tais reflexões, é possível encontrar traços dos estudos de McCann na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, que trata da criminalização penal da LGBTfobia no Brasil. Como demonstrado no texto, o STF reconhece a omissão do Legislativo na criação de medidas a respeito de crimes contra membros dessa minoria, que apresentava intensas dificuldades na efetivação de seus direitos e até mesmo no seu reconhecimento como indivíduo de direitos. Outra demonstração dessa  mobilização por parte de movimentos sociais está presente no próprio julgado, visto que a entidade “Grupo Gay da Bahia (GGB)” foi admitida como amicus curiae — instituição que tem por objetivo o fornecimento de auxílio nas decisões dos tribunais, dando suporte para questões de amplo impacto —, e tornou-se responsável pela demonstração da necessidade de tornar a violência contra a comunidade LGBTQIA+ uma questão penal através de dados e fatos concretos. Dessa forma, nota-se o protagonismo dos movimentos na alteração da moral e do padrão de conduta, bem como no impacto dessas mudanças na via jurídica com o Direito funcionando como ferramenta.  

 

    Por conseguinte, como demonstrado pelo autor, os tribunais, por meio de suas decisões, podem ter diferentes influências na sociedade. A influência no nível instrumental ou estratégico vem por meio das deliberações, que podem determinar “vencedores” e “perdedores” de forma temporária, ou seja, configuram, diretamente, as decisões claras e institucionais baseadas, muitas vezes, nas reivindicações de movimentos sociais. Já no nível do poder constitutivo da autoridade judicial, trata-se de uma influência indireta, visto que consiste nas consequências morais, de comportamento e culturais geradas pelas práticas jurídicas dos tribunais — em outras palavras, é o resultado as decisões tomadas por essa instituição, as influências que elas deixam e as consequências de tais valores na sociedade.   


    Entretanto, esses dois níveis não se excluem, isto é, ambos podem permear uma norma simultaneamente, o que, de maneira usual, é constatado nos direitos ligados às lutas sociais. Retornando à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, o tribunal, ao compreender, em suas palavras, “o quadro atual de extrema vulnerabilidade a que estão expostos os grupos LGBT no Brasil”, decidiu por criminalizar a LGBTfobia, sendo esta ação na dimensão instrumental. Já no nível constitutivo, é válido apontar ramificações desse novo valor reafirmado pelo STF na sociedade civil, tendo em vista que isso gerou uma forte mudança nos padrões de comportamento da população, que passou a reconhecer atos de violência contra essa minoria como um crime específico. Nesse contexto, cabe relatar o caso do jogador Maurício Souza que, após fazer um comentário homofóbico em suas redes sociais, foi automaticamente reprimido e condenado pela sociedade — mesmo que não em sua totalidade —, bem como retirado do time e da seleção que jogava. Ou seja, nota-se que, nos dias de hoje, o valor contido na decisão do tribunal de criminalizar esse tipo de ação foi enraizado na população, que reage rapidamente e de forma intensa às violações de direitos.


    Em suma, partindo da análise de Michael W. McCann em relação ao julgado referente à criminalização da LGBTfobia, é possível notar a mobilização do Direito pela população civil e como a decisão dos tribunais impacta nos padrões de conduta dos indivíduos. Sob a perspectiva do autor, todas as pessoas podem mobilizar o direito e não esperar apenas a representatividade do parlamento. Isso ocorre devido à movimentação no judiciário para atender as demandas de certos grupos, ou seja, percebe-se um caso de direito conquistado, não concedido. Ademais, além de atribuir o protagonismo aos “usuários” do Direito, tal teoria demonstra como os tribunais podem fornecer recursos à estratégia de ação dessas minorias — sendo,  no caso analisado, o grupo LGBTQIA+, vítima de constantes violações —, que além de poderem recorrer à direitos positivados, contam com a influência indireta gerada pelas deliberações jurídicas. Nesse sentido, a LGBTfobia passa a ser condenada tanto juridicamente quanto socialmente, devido à movimentação de grupos sociais e o auxílio do Direito.


Larissa de Sá Hisnauer - 2º semestre - Diurno 


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