A soberania popular, mais do que constitucionalmente garantida, é o cerne do regime político democrático. Desta forma, quando Michael McCann faz uma análise do Poder Judiciário e mobilização do direito, através da perspectiva dos “usuários”, ele está fazendo referência a todos nós, cidadãos e iguais perante à lei e, apesar de muito debater-se acerca do papel e da importância dos Tribunais, é nítido sua colaboração para a manutenção do bem estar social, sendo engrenagem essencial à efetivação de direitos.
Em síntese, os tribunais existem porque a forma adotada
para a resolução de conflitos não é a autotutela, baseada no emprego da força
particular e na “lei do mais forte”, sendo este um modelo primitivo e uma exceção
encontrada no ordenamento jurídico, não uma regra; diferentemente da
heterocomposição, a maneira mais usual, consubstanciada na eleição de uma
terceira pessoa, seja por lei ou pelas partes, para dirimir as possíveis
controvérsias existentes, investindo-o de poder jurisdicional. Tal definição encaixa-se
consideravelmente no que tange à abordagem institucional e histórica, considerada
a mais pertinente pelo autor, uma vez que defende o poder e a influência dos
tribunais como sendo fruto de processos complexos, com diferentes autores e
contextos sociais. É importante salientar ainda que, apesar de não termos
alcançado o ideal de justiça e igualdade, permanecemos sendo resistência, colhendo
frutos de diversas lutas passadas ao mesmo tempo em que plantamos novas sementes
de revolução, não permitindo que as ideias flutuem livremente, mas sim, que
sejam enraizadas, internalizadas, no âmago de cada indivíduo.
A medida que ideias sedimentam-se nas consciências e o
foco é voltado aos partícipes na construção de um direito mais acolhedor,
existe real progresso no plano concreto, suprindo lacunas não só legislativas
como ausências sociais profundas. Em situação contrária, claramente ocorre o
oposto, agravando carências seculares e atrasando o progresso social como um
todo. A Ação Civil Pública Cível - Indenização por Dano Moral n° 1020336-41.2019.8.26.0196,
referente a apologia ao estupro em trote na faculdade Unifran, localizada em
Franca/SP, é um exemplo dessa última constatação, levando-se em consideração
sua sentença de indeferimento, possuindo o seguinte comentário, feito pelo
juiz, como uma das variadas fundamentações absurdas: “Não se pode presumir que
o comportamento do requerido, dirigido a um grupo específico de pessoas, seja
uma agressão dirigida a todos os indivíduos do sexo feminino. A
responsabilidade civil demanda dolo ou culpa, dano e nexo causal, os quais estão
ausentes no presente caso”.
Como o óbvio precisa ser frequentemente dito: permitir
condutas misóginas, machistas, sexistas, é um ultraje à luta de milhões de
meninas e mulheres. Os tribunais são vistos como catalisadores de ações
político-sociais, rebaixar, mesmo que certo grupo de mulheres, gera atraso indireto
na vida de muitas outras e deveria ser de caráter coletivo o interesse em
respeitar a legitimidade desta causa tão nobre e sofrida. Machado de Assis, em
sua obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, especificamente no capítulo LI,
relata o momento em que o eu lírico descobre uma lei sublime: “a lei da equivalência
das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir
outra, afim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.” (ASSIS, 1881,
LI). Perante a isto, considerando que os precedentes também são janelas, o indeferimento
supracitado é uma janela fechada e não mostra horizonte algum na luta pelos
direitos das mulheres, que viverão para lutar mais um dia, abrindo, mesmo que
aos poucos, mesmo que invisíveis, suas próprias janelas.
Júlia Nogueira Orricco
1° ano – Noturno
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