Usualmente se analisa e se justifica a questão do protagonismo dos tribunais através de perspectivas que se restringem a tópicos específicos, como por exemplo destacar o uso da Justiça pelas elites ao buscarem a manutenção de seus poderes. Visões como esta não deixam de estar corretas, entretanto, de acordo com o autor Michael McCann, uma forma mais completa de observar esse fenômeno seria o compreendendo como a resultante de complexos processos de interações sociais, alicerçados em contextos históricos e políticos. Ainda assim, essa abordagem resulta em informações densas que podem acarretar em problemas para se estabelecer uma lógica causal clara e definidora da problemática.
Nesse sentido, o autor constata que a solução para esse dilema seria deixar de focar somente nos tribunais e em suas ações, passando a voltar o olhar para os sujeitos sociais e em como estes mobilizam o direito o utilizando como recurso de interação política e social. Dessa maneira, essa mobilização, “se refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores.” (McCANN, p. 182, 2010). Apesar disso, McCann não descarta completamente a importância dos tribunais, isto porque mesmo que estes não determinem ações judiciais, ajudam ativamente “a traçar o panorama ou a rede de relações na qual se encontram as demandas judiciais em curso dos cidadãos e organizações.” (McCANN, p. 183, 2010).
Desta forma, McCann constata que existem duas dimensões de influência dos tribunais que não são completamente separadas e que juntas constituem essa atividade. O autor cita o poder constitutivo da autoridade judicial como sendo um desses níveis que “diz respeito aos modos pelos quais as práticas de construção jurídica dos tribunais são “constitutivas” de vida cultural” (McCANN, p. 188, 2010). A outra perspectiva citada é a instrumental ou estratégica, que pode ser tida como a procura por “analisar como as ações judiciais configuram o contexto estratégico dos outros atores do Estado e da sociedade.” (McCANN, p. 184, 2010). Também pode ser definida como a “sombra” que os tribunais projetam sobre as relações de negociação entre autoridades e/ou cidadãos (MNOOKIN e KORNHAUSER, 1979; GALANTER, 1983, apud McCANN, p. 184, 2010).
Esta segunda é a que mais se destaca, uma vez que essas atitudes dos tribunais podem agir como catalisadores para políticas públicas, sendo um “estímulo de respostas positivas dos atores governamentais ou grupos de cidadãos não diretamente envolvidos nos casos.” (McCANN, p. 186, 2010). Ademais, podem abrir precedentes para outras ações em diferentes relações por toda a sociedade e que podem ser utilizados como “fichas para negociação''.
A exemplo dessa dimensão, é possível citar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.543, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 11 de maio de 2020. Nela, o tribunal determinou como inconstitucional a proibição da doação de sangue por homens que tiveram relações sexuais com outros homens nos 12 meses anteriores à doação. Com essa definição, passaram a submeter os mesmos critérios para doação utilizados para restante da população também para os homossexuais, sem mais nenhuma distinção. Esta decisão além de ser benéfica para os bancos de sangue, principalmente durante a pandemia, também contribui para o fim do preconceito institucionalizado contra a comunidade LGBTQIA + , abrindo precedente e determinando um contexto para se evitar que as pessoas desse grupo sejam discriminadas.
Por fim, “Fran Zemans toma a mobilização do direito como uma forma clássica de atividade democrática; a disputa judicial entre os cidadãos é um sinal de democracia tanto quanto o voto.” (McCANN, p. 191, 2010). Desse modo, conclui-se que mobilizar a justiça, coletivamente, para se fazer valer direitos pode ser sim uma maneira estratégica de se participar e contribuir para a democracia. Portanto, de acordo com o pensamento de McCann, a partir da ótica dos usuários é possível avaliar de novas formas o poder judicial e sua atuação na sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
McCANN, Michael. “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”. In: Anais do Seminário Nacional sobre Justiça Constitucional. Seção Especial da Revista Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª. Região/Emarf, 2010.
Julgado - ADI 5543. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur429684/false. Acesso em: 21/11/2021
Ana Beatriz da Silva - 1º Ano - Direito - Diurno
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