Michael Mc Cann e o fechamento das lotéricas de Franca
O pensador Michael W. Mc Cann defende, no texto entitulado "Poder judiciário e mobilização do Direito: uma perspectiva dos usuários" , que as funções do Estado ficaram mais complexas, os interessados em formalizar suas demandas aumentaram, bem como a quantia de demandas, e a advocacia social organizou-se, de modo que essas são as causas para os tribunais terem se tornado poderosos dentro da lógica dos regimes políticos modernos. Um exemplo da expansão dessa complexidade é o caso do fechamento das lotéricas francanas, em que o juiz Charls Bonemer Junior decidiu que não se deveria obrigar tal fechamento, mesmo dentro de um contexto pandêmico em que chegaram a morrer mil brasileiros em um só dia. A resposta do juiz só foi necessária em razão da mobilização sobre a qual versa Mc Cann, mas a análise de Bonemer e desse último são, ainda que realizada a adequação de tempo e lugar, bastante distintas.
Nessa lógica, é preciso apresentar as supracitadas diferenças. Enquanto o sociólogo afirma que, no Brasil. juízes têm cumprido os princípios da Constituição de 1988, o magistrado em questão escreveu que "Embora devesse ser desnecessário esclarecer isso, os fatos que vêm ocorrendo no Brasil exigem que se frise, didática e pacientemente, ser inadmissível (...) que alguma autoridade, de qualquer dos três poderes, possa suspender as garantias constitucionais dos cidadãos (...) ainda que sob o enganoso pretexto de "salvar vidas". Essas palavras, cobertas de ironia, como em "pacientemente", sequer são adequadas à formalidade do texto em que elas se encontram, e em nada respeitam a Constituição de 1988 no que tange ao Artigo 5°, em que está posto que "Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". O desrespeito aparece na desconsideração de que os requerentes do fechamento visam a segurança sanitária da comunidade, e assim fica claro que essa sentença não exemplifica o afirmado no artigo do pensador.
Além disso, Mc Cann afirma que os tribunais medeiam as relações sociais ora ao garantir uma causa como ganha ou perdida, ora ao escolher entre aplicar uma lei ou uma jurisprudência. Esse poder de escolha fica nítido tanto na comparação acima, entre o artigo e o escrito do processo, na tentativa do juiz de alegar que o fechamento estaria ligado à tentativa de planificação estatal, própria dos comunistas, pois feria o "valor social do trabalho", defendido no Artigo 1°, IV da Constituição, na ânsia em especificar que decreto não é sinônimo de lei, como forma de utilizar-se de uma especificidade jurídica para esquivar-se de proteger vidas que, como já analisado, ele despreza. Dessa forma, Bonemer se projeta como um ente que emite aos usuários dos tribunais, através de paralelismos mal feitos e replicação de estigmas, sinais de desencorajamento.
Logo, fica caro que enquanto Bonemer destoa do ´projetado por Mc Cann ao caso brasileiro, ele encaixa-se e parte da análise geral desse último. Ações como a desse juiz, amparadas pela irresponsabilidade do presidente da República, retardaram o melhoramento do cenário caótico. Como é muito moroso eliminar os concursados de suas posições, resta à população eleger uma figura cujos atos, em termos legais e sociopolíticos, não sirvam de embasamento para sentenças pré-montadas com o objetivo de satisfazer classes endinheiradas que protegem, num escudo de cédulas, suas vidas de qualquer mal.
Maria Paula Aleixo Golrks - 2° semestre - Direito Matutino - turma XXXVIII
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