Em um cenário de transições e contradições
em que consistia o início do século XVII, a obra "Discurso sobre o
Método", do filósofo René Descartes, veio, através da dúvida, trazer respostas.
Nesse período, o mundo assistia à decadência das estruturas feudais e à eclosão
de uma nova forma de organização social e econômica. Os antigos dogmas
religiosos já não satisfaziam mais a sede humana por conhecimento, iniciada
pelo Renascimento Cultural, mesmo com a presença religiosa no cotidiano
fazendo-se cada vez mais insistente, visto o conflito entre o Protestantismo e
o Catolicismo.
Dessa forma, torna-se impossível negar a
importância do patrimônio de Descartes, que revolucionou o pensamento e abriu
as portas para um imenso leque de possibilidades. O racionalismo proposto pelo
filósofo influenciou profundamente a ciência, e viabilizou seu desenvolvimento
até o nível que se verifica hoje. Entretanto, essa maneira categórica e
minuciosa de contemplar a vida muitas vezes não é compatível com as
necessidades e as realidades contemporâneas.
O Método Cartesiano propõe a realização de
quatro tarefas na busca pela razão e pela verdade, e, dentre elas,
"repartir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas fossem
possíveis e necessárias". Esse princípio pode ser considerado problemático,
uma vez que o universo não funciona dessa maneira hermética e
compartimentalizada, mas de forma conjunta e coexistente.
Tal fundamento, se extrapolado para o âmbito
das relações sociais, por exemplo, explica o medo do diferente, frequentemente
observado no contato entre determinados grupos populacionais. A sociedade
apresenta-se tão estratificada, nas esferas econômica, religiosa, racial, de
gênero e de sexualidade, que, quando há um encontro, ocorre um choque cultural
muito intenso, originando o preconceito.
A categorização supracitada age, também,
como fator limitante para a capacidade do homem, uma vez que rotula e
generaliza suas vivências; dita em que grupo se encaixa e que padrão deve ser
seguido. Ceifa sua habilidade de ser, e força o encaixe nas normas definidas.
Além disso, ainda que a filosofia de
Descartes seja pautada na dúvida, ela não admite a existência de incertezas, o
que é exemplificado no trecho “rejeitar como totalmente falso tudo
aquilo em que pudesse supor a menor dúvida”.
Portanto, nega a própria fluidez da natureza humana e sua capacidade de mutação.
Lisa Abdala Garcia - 1º Ano Direito Noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário