O que Descartes diria sobre
o conhecimento adquirido na sociedade contemporânea em que vivemos? Penso que
se contorceria em sua cova ao se deparar com vários comentários sobre política
nas redes sociais atuais. Mera reprodução acrítica e massificadora seria pouco
para categorizar as ondas de postagens sem fundamentos que a cada dia se tornam
mais constantes. Onde está o método de questionar/ duvidar de tudo, proposto
por Descartes, na sociedade do século XXI?
Com certeza não está presente na vida
de uma grande massa que não se preocupa em checar a veracidade das milhares de
informações que recebem instantaneamente todos os dias. Isso faz com que
reproduzam discursos alienados e põe a racionalidade em crise no século XXI.
Como na música, Admirável Chip Novo, da cantora Pitty, as classes dominantes
ditam o que a sociedade atual deve pensar, julgar, agir, vestir, comer etc.
Isso acontece, pois não há o questionamento de tais “ditaduras ideológicas”. Está
faltando à aplicação do método cartesiano no cotidiano. O ato de não
racionalizar sobre as situações do dia a dia atrofia a criticidade e capacidade
de ter opinião própria, assim, os discursos alienantes se tornam soberanos e são
asseverados por mais tempo, podendo até perpetuar-se na sociedade.
Pode-se dizer que o comodismo tomou
conta do homem contemporâneo, o qual mesmo com inúmeras facilidades e acesso à
tanta informação, tecnologia e ideologias, se torna passivo ao invés de
questionar o que acontece no mundo, quais os motivos e quais as possíveis soluções
para os seus problemas. Claro que não se deve generalizar, também
existe parcelas da sociedade que deixariam Descartes satisfeito com o uso que
fazem da racionalidade, seja para enfrentar as situações cotidianas ou para
resolver problemas e criar opiniões distintas daquelas ditadas pelas classes
dominantes. Porém, parece mais cômodo
deixar que ditem o que pensar, fazer, votar, comprar.
A teoria cartesiana, mesmo que datada há centenas de anos atrás, pode
ser muito bem inserida no contexto da contemporaneidade. Isso porque a
alienação da racionalidade humana é um dos maiores precursores das mazelas
sociais, já que uma sociedade acrítica e cômoda é incapaz de lutar pelos seus
direitos e pela garantia de vidas mais satisfativas e dignas. De modo que, a
racionalidade proposta por Descartes auxiliaria no rompimento da alienação
ideológica tão forte na atualidade, guiando a sociedade a um caminho mais justo
e digno.
Mas exatamente por ser de centenas
de anos atrás, até mesmo a racionalidade proposta por Descartes deve ser olhada
com cuidado e criticidade. Pois o uso da racionalidade cartesiana, metódica e
mecanicista, não possibilita análises interdependentes. Por exemplo, pessoas
que usam o método de racionalizar o milagre econômico da época da ditadura como
motivos para reivindicarem pela volta do regime militar para se obter, assim,
avanços no país. O método cartesiano é falho nesse caso, pois não liga os
inúmeros lados negativos do regime militar, como a opressão, violência e
tirania. Logo, o uso do método da racionalidade apenas auxiliaria as pessoas a
não aceitarem qualquer informação como verdade absoluta, mas ainda falta a
criação, também, de uma consciência política, socioeconômica e cultural, capaz
de proporcionar a todos a autocrítica.
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