Cotas, Emancipação e Direito
No
artigo Poderá o Direito ser Emancipatório?,
Boaventura de Sousa Santos traz o conceito de Fascismo Social, que seria
diferente daquele político. Em uma sociedade definida por reduzidos grupos
sociais dominantes e uma maioria excluída, tal fascismo irradia-se em seu
próprio seio, sua dinâmica leva a uma homogeneização, vinculada a um eixo
central – valor econômico. A maior parte das pessoas, porém, encontra-se
excluída e luta para adaptar-se às criações sociais e exigências da minoria.
Produz-se,
portanto, uma sociedade estratificada, ilustrativamente explicada pelo autor
como círculos concêntricos, em que o Estado estaria no ponto central. Em um
primeiro círculo, feito em volta a este, estaria a sociedade civil íntima, composta
de hiper-incluídos, posteriormente, haveria um segundo, a sociedade civil
estranha, de inclusão parcial e, por fim, um terceiro e mais distante do
Estado, ali encontram-se os totalmente excluídos, no que foi chamado de
sociedade civil incivil.
Estes últimos, assim como os
parcialmente excluídos, buscam amoldar-se e acercar-se do Estado, devido a
interiorização e observância dos modelos, embora, na maioria das vezes, esse
não seja um processo possível ou simples. Nesse sentido o direito pode intervir
de maneira emancipatória nesses círculos. A política de cotas raciais e sociais
pode ser um exemplo disso.
Entendidas como ação afirmativa,
isto é, “instrumento temporário [...] por meio do qual se almeja integrar certo
grupo de pessoas à sociedade objetivando aumentar a participação desses
indivíduos sub-representados em determinadas esferas nas quais tradicionalmente
permaneceriam alijados”1.
Todavia, um instrumento como este
causa transformação e instabilidade nos seguimentos estratificados, o que pode
não ser - e não é – visto com bons olhos por muitos. Nesse sentido, o partido
Democratas ajuizou, perante o STF, uma ADPF, com efeito de ADIn, pedindo a
declaração de inconstitucionalidade da lei que institui as Cotas Raciais na
Universidade de Brasília (UnB).
A arguição, muito bem construída e
embasada em argumentos histórico-comparativos, biológicos, sociológicos e
antropológicos, defendia que as cotas seriam, em verdade, um “massacre” ao
princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Tentou desqualificar a
dificuldade de ascensão social de negros da questão racial, atrelando-a
simplesmente à questão econômica, “posto a ser a pobreza a grande mazela a
dificultar o acesso dos negros às universidades”2. Apresentou os
perigos de um Estado racionalizado e sugeriu que um “modelo assistencialista,
que objetiva-se integrar os pobres de todas as cores, seria menos lesivo aos
direitos fundamentais”3.
O pedido foi indeferido depois de
largo debate, alicerçado em argumentos como o de que a seleção diferenciada
levaria a um pluralismo de ideias, um dos fundamentos do Estado brasileiro.
Além disso, tomou a lei de cotas como prestigiadora do princípio da igualdade
material (Art. 5º). O acórdão justificou-se também na justiça social, tida como
mais do que uma redistribuição de riquezas, mas como necessidade de reconhecer
e incorporar à sociedade valores culturais diversos, considerados inferiores
pela maioria dominante.
Como consideração final, o Direito
posicionou-se de maneira emancipatória, uma vez que se tornou instrumentos de
inclusão ao reafirmar as cotas, as quais podem ser consideradas um
Cosmopolitismo Subalterno, já que opuseram-se a inevitabilidade da exclusão.
Dessa forma, ele, que corriqueiramente é usado como instrumento do Fascismo
Social, foi utilizado para tornar mais tênues as linhas fronteiriças entre os
círculos de incluídos dominantes e excluídos socialmente.
1 ADPF, p. 27
2 Idem,
p.74
3 Idem, p
74
Letícia Raquel
de Lava Granjeia – 1º Ano – Direito Noturno
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