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domingo, 25 de janeiro de 2015


Cotas, Emancipação e Direito

No artigo Poderá o Direito ser Emancipatório?, Boaventura de Sousa Santos traz o conceito de Fascismo Social, que seria diferente daquele político. Em uma sociedade definida por reduzidos grupos sociais dominantes e uma maioria excluída, tal fascismo irradia-se em seu próprio seio, sua dinâmica leva a uma homogeneização, vinculada a um eixo central – valor econômico. A maior parte das pessoas, porém, encontra-se excluída e luta para adaptar-se às criações sociais e exigências da minoria.
Produz-se, portanto, uma sociedade estratificada, ilustrativamente explicada pelo autor como círculos concêntricos, em que o Estado estaria no ponto central. Em um primeiro círculo, feito em volta a este, estaria a sociedade civil íntima, composta de hiper-incluídos, posteriormente, haveria um segundo, a sociedade civil estranha, de inclusão parcial e, por fim, um terceiro e mais distante do Estado, ali encontram-se os totalmente excluídos, no que foi chamado de sociedade civil incivil.
            Estes últimos, assim como os parcialmente excluídos, buscam amoldar-se e acercar-se do Estado, devido a interiorização e observância dos modelos, embora, na maioria das vezes, esse não seja um processo possível ou simples. Nesse sentido o direito pode intervir de maneira emancipatória nesses círculos. A política de cotas raciais e sociais pode ser um exemplo disso.
            Entendidas como ação afirmativa, isto é, “instrumento temporário [...] por meio do qual se almeja integrar certo grupo de pessoas à sociedade objetivando aumentar a participação desses indivíduos sub-representados em determinadas esferas nas quais tradicionalmente permaneceriam alijados”1.
            Todavia, um instrumento como este causa transformação e instabilidade nos seguimentos estratificados, o que pode não ser - e não é – visto com bons olhos por muitos. Nesse sentido, o partido Democratas ajuizou, perante o STF, uma ADPF, com efeito de ADIn, pedindo a declaração de inconstitucionalidade da lei que institui as Cotas Raciais na Universidade de Brasília (UnB).
            A arguição, muito bem construída e embasada em argumentos histórico-comparativos, biológicos, sociológicos e antropológicos, defendia que as cotas seriam, em verdade, um “massacre” ao princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Tentou desqualificar a dificuldade de ascensão social de negros da questão racial, atrelando-a simplesmente à questão econômica, “posto a ser a pobreza a grande mazela a dificultar o acesso dos negros às universidades”2. Apresentou os perigos de um Estado racionalizado e sugeriu que um “modelo assistencialista, que objetiva-se integrar os pobres de todas as cores, seria menos lesivo aos direitos fundamentais”3.
            O pedido foi indeferido depois de largo debate, alicerçado em argumentos como o de que a seleção diferenciada levaria a um pluralismo de ideias, um dos fundamentos do Estado brasileiro. Além disso, tomou a lei de cotas como prestigiadora do princípio da igualdade material (Art. 5º). O acórdão justificou-se também na justiça social, tida como mais do que uma redistribuição de riquezas, mas como necessidade de reconhecer e incorporar à sociedade valores culturais diversos, considerados inferiores pela maioria dominante.
            Como consideração final, o Direito posicionou-se de maneira emancipatória, uma vez que se tornou instrumentos de inclusão ao reafirmar as cotas, as quais podem ser consideradas um Cosmopolitismo Subalterno, já que opuseram-se a inevitabilidade da exclusão. Dessa forma, ele, que corriqueiramente é usado como instrumento do Fascismo Social, foi utilizado para tornar mais tênues as linhas fronteiriças entre os círculos de incluídos dominantes e excluídos socialmente.
 

1 ADPF, p. 27
2 Idem, p.74
3 Idem, p 74

Letícia Raquel de Lava Granjeia – 1º Ano – Direito Noturno

 

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