Pensar no Direito como instrumento de emancipação social é voar alto e estar com os pés no chão ao mesmo tempo, embora pareça difícil de se enxergar como tal. Isso se dá porque o Direito não é Ciência Exata, então está sujeito a flutuações de pensamento e aplicação, para isso basta lembrar que para considerar Direito como uma Ciência, foi necessário reduzir o objeto de estudo para a norma positivada, herança bem sucedida de Hans Kelsen.
A sociedade tem por natureza inúmeras mazelas, não por ser natureza física, "Gaia", mas pela condição humana de entender e tentar realizar seus desejos. Essa conduta gerou a lei do mais forte, o Darwinismo Social aceito até hoje como forma válida de estruturar a sociedade, mas que na prática chega a ser ridículo porque a mesma capacidade intelectual do ser humano que fez uma estrutura mal-feita e de base fraca poderia fazer uma muito melhor, não fosse a ganância presente no espírito de algumas pessoas. Ganância que leva aquele que pode pagar um aluguel exigir que o Estado lhe pague, ao invés de pedir para o Estado a forma de aluguel que possibilita a compra no fim do contrato; que faz aquele que pode pagar seus remédios entrar com ações na justiça exigindo do Estado seu dever constitucional de lhe fornecer os remédios, isso tudo enquanto quem realmente precisa fica sem.
Pois bem, o erro de interpretar Boaventura de Sousa Santos como alguém que serve para o Direito brasileiro apenas pelo fato de desejar o Direito como forma de emancipação social e inclusão das classes no Contrato Social, que vem sendo rompido pela burguesia do capitalismo financeiro, está na pura e simples adequação à realidade. O que funciona/ou em Portugal pode não surtir o mesmo efeito aqui, é óbvio que se pode sair de agasalho na Rússia ou no Canadá pela maior parte do ano, mas o brasileiro que imitar a peripécia há de se arrepender, seja por hipertermia ou por suar excessivamente e se passar por ridículo, estando agasalhado em pleno sol escaldante.
O famoso "jeitinho brasileiro" tem um modo peculiar de estragar tudo aquilo que poderia ser útil à sociedade: na Europa e nos Estados Unidos, cota e bolsas para aqueles que não podem pagar uma instrução de nível superior; no Brasil, existindo ensino superior público de excelente qualidade, a forma de entrada é elitizada e os alunos das escolas públicas acabam ficando de fora por não fornecerem estrutura suficiente para preparação pré-vestibular. Implantar a Política das Cotas foi um ótimo remendo no cano quebrado - vai segurar o vazamento até que o encanador troque a peça por uma nova de melhor qualidade, mas não vai resolver o problema por si só - o problema é o material e a estrutura de ensino, não a prova vestibular em si. Se não houver um investimento efetivo em educação básica, nunca se chegará o ponto que alunos de escolas públicas e particulares estarão pareados na disputa. Não obstante não usar de maneira racional o investimento na educação pública fundamental, o governo ainda separa daquelas mesmas escolas os alunos negros e pardos dos brancos para uso das cotas, ou seja, mesmo estando nas mesmas péssimas condições, alguma coisa ainda impede que brancos, pardos e negros concorram de maneira igualitária e resta ao governo a explicação de que coisa é essa sem se valer da demagogia da inclusão, pois não há inclusão sem investimento, e não está havendo investimento.
O bom aluno vai à escola para aprender, e para ele a escola deve sim ser excelente, mas o que ocorre na maioria das escolas brasileiras, tanto públicas quanto privadas, é uma realidade diferente: pouquíssimos são os alunos interessados no conhecimento como forma de mudar de vida, preferindo antes ir buscar um emprego para satisfazer suas necessidades materiais a tentar chegar ao ensino superior. Os alunos nem nas escolas particulares querem estudar, apenas querem levar a vida de acordo com seus desejos materiais e se isso envolve matar aula, levar os estudos na média, não se importando com recuperações e dependências e isso é uma realidade indistinta entre público e privado porque o mundo de atual valoriza aquele que consome e não aquele que pensa. O estímulo para o estudo deve vir tanto do Estado quanto dos pais, é uma retroalimentação do sistema educacional que não está funcionando por conta dessa engrenagem quebrada: o Estado não dá educação básica de qualidade e os pais não incentivam as crianças a estudarem, principalmente aqueles de famílias menos favorecidas na pirâmide social, que escutam seus pais dizerem que a escola não leva a lugar algum e que a única escola que importa é a "escola da vida", argumento também muito utilizado por aqueles que estudam em instituições privadas para justificar sua vagabundagem em face do desperdício de oportunidade que poderia ser de alguém que efetivamente deseja mudar de vida por meio do conhecimento.
A conclusão que se chega é que o problema no Brasil não são as cotas, não são as diferenças do público e do privado, mas sim a ganância da população e a vontade de levar a vida boa às custas de um Estado que tudo banca e que nada exige. Claro que o governo desvia verba demais e cobra impostos caríssimos e nesse sentido ele deveria sim prestar serviços de qualidade, mas aí entra a realidade mental do brasileiro: o operário que vira líder sindical passa a desviar a verba do sindicato para si próprio, para depois concorrer a vereador e deputado, usando a fama sindical para alavancar carreira política e desviar ainda mais para sua fortuna pessoal. O Brasil precisa mudar a forma de pensar de uma inércia dependente do Estado para uma ação que exija sim serviços de qualidade, mas fazendo também sua parte sem deturpar a essência do público, condição necessária para o mínimo de estabilidade na vida em sociedade. Sabendo que a própria base da sociedade deseja usar o poder para satisfazer suas vontades particulares em detrimento do bem público, que dirá das classes economicamente mais abastadas que dominam a política do país, que possuem a mesma mentalidade? A sociedade clama uma mudança objetiva que só pode ser realizada de maneira subjetiva, as leis existem e na teoria funcionam para todos, mas o "jeitinho brasileiro" faz com que elas sejam inúteis no dia a dia. Então fica a pergunta: é só o Estado que tem que mudar sua forma de ser, ou a sociedade também tem de se atentar mais a suas próprias necessidades e capacidades, inclusive a de se instruir a buscar o conhecimento e usar do Direito em seu favor ao invés de ignorá-lo para se satisfazerem desejos egoístas?
Giovanny Pizzol da Silva 1º ano Direito Diurno
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
Nenhum comentário:
Postar um comentário