No filme “Ponto de Mutação”, baseado no livro de Fritjot
Capra, são comparadas diversas visões de mundo. Partindo de uma conversa entre
um político, uma ex-física e um poeta, discutem-se temas tais como religiosidade,
política, superpopulação, teorias físicas, filosofia, sistemas sociais e ambientalismo,
assim como o sentido da própria existência.
Sonia, a ex-física, vê a falta de perspectiva no mundo e questiona
Descartes (apesar de reconhecer sua importância na época em que viveu) por ter
lançado a ideia de que a natureza – e inclusive o corpo humano - poderia ser
vista como uma máquina, concepção que se estendeu para diversos aspectos da
vida e do mundo tomados como possíveis de explicação na esfera da racionalidade
humana. Por isso, critica a política e a maneira como ela é hoje: considera
como necessário apenas o que implicará em resultados concretos e favoráveis aos
interesses que dominam o sistema, ultrapassando a ética (e cita ainda o Brasil,
lugar onde a floresta amazônica é desmatada como não deveria para dar espaço ao
agronegócio e pagar a dívida nacional).
Essa visão
mecanicista foi ainda mais exaltada com Francis Bacon e sua proposta de ciência
pragmatista, defendendo a escravização e tortura da natureza para que ela
pudesse melhor nos servir. Isso
estabeleceu uma errônea visão de que conhecimento é poder, quando na verdade
ele pode não ser tão benéfico quanto deveria. Do mesmo jeito, as discussões
durante o filme nos faz perceber que a busca obsessiva pelo crescimento acabou nos
trazendo prejuízos imensuráveis, como a crise ambiental e a desigualdade social,
num mundo em que todos os infortúnios recaem sobre os menos favorecidos.
Ao cartesianismo e à ideia de que tudo pode ser comparado a
uma máquina opõe-se a teoria dos sistemas, explicada por Sonia e vista como uma
“nova ciência”, que vê as coisas em seu coletivo, integrante de um todo tomado
por relações de interdependência. Ela ainda enfatiza que é preciso pensar
ecologicamente para que a crise de percepção, que segundo ela assola o mundo,
melhore e para que possamos ofertar um
mundo melhor às futuras gerações.
Tudo isso se
interrelaciona e forma uma profunda rede que constitui o nosso contexto,
apresentando uma complexidade que, em
sua totalidade e com todos os seus detalhes, vai além da compreensão humana. O discurso do poeta que conclui as discussões
do filme é, talvez, o que mais nos causa reflexão. “Me sinto tão reduzido sendo
chamado de sistema quanto me sinto sendo chamado de relógio.” Ou seja, nós não podemos
e nem deveríamos ser tentativa de definição. Por que, durante tanto tempo, o
homem tentou definir a sua natureza, explicar os fenômenos mundiais em seus
mais insignificantes aspectos, colocar seu conhecimento científico acima de
todos os outros, desafiar a vida como se ela fosse tão simples a ponto de poder
ser explicada segundo nós, seres pensantes, com todas as nossas limitações e
com toda a nossa efemeridade? A vida não é condensável e nem fechada à uma única visão de mundo, muito pelo contrário: ela vai além do que se fala sobre
ela, inclusive além de nós mesmos e de nossas ideias.
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