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segunda-feira, 28 de março de 2016

A incondensabilidade da vida


No filme “Ponto de Mutação”, baseado no livro de Fritjot Capra, são comparadas diversas visões de mundo. Partindo de uma conversa entre um político, uma ex-física e um poeta, discutem-se temas tais como religiosidade, política, superpopulação, teorias físicas, filosofia, sistemas sociais e ambientalismo, assim como o sentido da própria existência.
Sonia, a ex-física, vê a falta de perspectiva no mundo e questiona Descartes (apesar de reconhecer sua importância na época em que viveu) por ter lançado a ideia de que a natureza – e inclusive o corpo humano - poderia ser vista como uma máquina, concepção que se estendeu para diversos aspectos da vida e do mundo tomados como possíveis de explicação na esfera da racionalidade humana. Por isso, critica a política e a maneira como ela é hoje: considera como necessário apenas o que implicará em resultados concretos e favoráveis aos interesses que dominam o sistema, ultrapassando a ética (e cita ainda o Brasil, lugar onde a floresta amazônica é desmatada como não deveria para dar espaço ao agronegócio e pagar a dívida nacional).
 Essa visão mecanicista foi ainda mais exaltada com Francis Bacon e sua proposta de ciência pragmatista, defendendo a escravização e tortura da natureza para que ela pudesse melhor nos servir.  Isso estabeleceu uma errônea visão de que conhecimento é poder, quando na verdade ele pode não ser tão benéfico quanto deveria. Do mesmo jeito, as discussões durante o filme nos faz perceber que a busca obsessiva pelo crescimento acabou nos trazendo prejuízos imensuráveis, como a crise ambiental e a desigualdade social, num mundo em que todos os infortúnios recaem sobre os menos favorecidos.
Ao cartesianismo e à ideia de que tudo pode ser comparado a uma máquina opõe-se a teoria dos sistemas, explicada por Sonia e vista como uma “nova ciência”, que vê as coisas em seu coletivo, integrante de um todo tomado por relações de interdependência. Ela ainda enfatiza que é preciso pensar ecologicamente para que a crise de percepção, que segundo ela assola o mundo, melhore e para que possamos ofertar  um mundo melhor às futuras gerações.

 Tudo isso se interrelaciona e forma uma profunda rede que constitui o nosso contexto, apresentando uma complexidade  que, em sua totalidade e com todos os seus detalhes, vai além da compreensão humana.  O discurso do poeta que conclui as discussões do filme é, talvez, o que mais nos causa reflexão. “Me sinto tão reduzido sendo chamado de sistema quanto me sinto sendo chamado de relógio.” Ou seja, nós não podemos e nem deveríamos ser tentativa de definição. Por que, durante tanto tempo, o homem tentou definir a sua natureza, explicar os fenômenos mundiais em seus mais insignificantes aspectos, colocar seu conhecimento científico acima de todos os outros, desafiar a vida como se ela fosse tão simples a ponto de poder ser explicada segundo nós, seres pensantes, com todas as nossas limitações e com toda a nossa efemeridade? A vida não é condensável e nem fechada à uma única visão de mundo, muito pelo contrário: ela vai além do que se fala sobre ela, inclusive além de nós mesmos e de nossas ideias.

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