Em determinado momento do filme “Ponto
de Mutação”, os três protagonistas debatem uma série de distúrbios que afligem
a sociedade contemporânea, como a fome no mundo, a questão da saúde pública e o
desmatamento. A personagem Sonia Hoffman,
uma cientista norueguesa, argumenta, então, que todas estas mazelas estão
relacionadas, e provêm de uma mesma crise: a de percepção. Essa ideia será
desenvolvida através de diversos ângulos ao longo da trama, proporcionando uma
reflexão acerca do funcionamento dos mecanismos e relações sociais.
Sonia alega que os cientistas
teriam acreditado tão firmemente no pensamento cartesiano que passaram a tratar
todos os seres vivos como máquinas, e esta filosofia logo seria aplicada em
outros campos, como na arte e na política. A cientista defende que, embora tal
teoria tenha sido de fundamental importância e utilidade no século XVII, não
corresponde à complexidade da situação corrente. A fragmentação e mecanização
propostas por Descartes seriam, na verdade, nocivas para a compreensão da
realidade, uma vez que a natureza não funcionaria como um aparelho. Esses conceitos
explicam, por exemplo, as divisões das camadas sociais, que se encontram tão
hierarquizadas e díspares, que torna-se extremamente difícil a ruptura com a
ordem vigente.
Em outro ponto, Hoffman
explica que o que chocou os cientistas foi a descoberta de que o átomo era
feito, basicamente, de um espaço vazio. O político Jack questiona tal
afirmação, fazendo com que a cientista declare que a dúvida origina-se na
dificuldade em visualizar algo diferente daquilo visto normalmente. Esse
princípio pode ser extrapolado para justificar a exorbitante intolerância
demonstrada na sociedade atual. O complexo caminho para refletir e agir com
empatia gera o discurso de ódio e as reações violentas.
Sonia sugere, assim, que a
humanidade adote a “Teoria dos sistemas vivos”, que trata todos os organismos
como entidades interdependentes e conectadas, como paradigma. Não define,
contudo, o que deve ser feito para promover a mudança tão necessária rumo a uma
sociedade mais justa e igual. Ela apresenta uma atitude que beira a hipocrisia,
uma vez que afirma preferir sua “torre de marfim”, expressão utilizada
para descrever uma postura distanciada das preocupações do cotidiano.
O sentimento de impotência ante o futuro, uma das
maiores angústias humanas, permanece tanto nas personagens quanto no
espectador. Talvez, o personagem que mais permita uma identificação por parte do observador seja Thomas, o poeta, que diz sentir-se tão sufocado ao ser tratado
como um sistema quanto ao ser tratado como máquina. Em suas palavras, “a vida é
infinitamente mais do que as obtusas teorias a respeito dela”.
Lisa Garcia - 1º Ano Direito Noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário